terça-feira, 11 de novembro de 2014

MAPS TO THE STARS (2014) de David Cronenberg



 Onde está o Cronenberg de outrora? Onde está o homem que criou obras tão magníficas, a níveis textuais e formais, como Dead Ringers ou Naked Lunch? Esse visionário agora reduzido a uma complacência e falta de interesse no visual dos seus filmes? Será isto uma prova do envelhecimento e cansaço de um mestre? Terá sido o advento da fotografia digital que  o reduziu a tão pouco inspiradas imagens? Será que pretende virar-se para uma austeridade formal que em nada parece trabalhar com a podridão grotesca do seu argumento?

 Não sei o que dizer. Já aquando do meu visionamento de A Dangerous Method, eu me tinha amedrontado com uma aparente falta de inspiração no trabalho de um homem que outrora havia trazido ao mundo as visões de pesadelo de filmes como Videodrome ou The Fly. Há que dizer, que esses medos foram brevemente sossegados pela relativamente cuidada aparência de Cosmopolis, mas com esta nova obra eu já perdi praticamente toda a esperança de encontrar na filmografia futura deste realizador, outras obras-primas como as que marcaram a primeira metade da sua tão auspiciosa carreira.

 Peço desculpa de estar a mencionar todas estas obras passadas, mas foi-me impossível a mim, se bem que possa ter tentado ter um ponto de vista mais objetivo, olhar este filme sem pensar na sua posição na filmografia deste realizador. Um autor que admiro pelo seu trabalho anterior e que aqui vejo a cair em lugares comuns e a, porventura, perder aquilo que em tempos o terá feito singular no panorama cinematográfico mundial.

 Mas enfim, para além de ter antecipado o filme como uma nova obra de Cronenberg, uma obra satírica que eu esperava ser uma revitalização na sua filmografia (não aconteceu), também tinha imensamente grandes expetativas em relação ao trabalho da célebre vencedora do prémio de melhor atriz na edição deste ano do festival de Cannes. Com essa honra, Julianne Moore, uma das minhas atrizes prediletas, arrecadou prémios no último dos três grandes festivais europeus e conseguiu, ao contrário de Cronenberg, recuperar alguma da relevância que parecia ter perdido relativamente ao seu auge no início da década passada.

 Ao contrário do seu realizador, a atriz não me desapontou de todo. Moore interpreta Havana, uma atriz quase caricaturada de uma Hollywood superficial, que tenta desesperadamente conseguir interpretar a sua própria e falecida mãe (Sarah Gadon) num novo filme que farão da vida dessa passada estrela. Essa sombra do estrelato da mãe parece seguir e atormentar esta atriz que terá visto melhores dias, e chega mesmo a manifestar-se em aparentes alucinações fantasmagóricas (algo muito ineficazmente filmado).

 Em Havana, Moore revela uma desconcertante vulnerabilidade e fragilidade quase psicótica e grotesca no meio de uma caricatura satírica. Apesar das tendências simplistas e redutivas do guião, a atriz descobre uma curiosa humanidade nesta figura, sem nunca perder a sua condição como uma caricatura, como um conceito de um escritor em relação às vápidas estrelas envelhecidas que povoam Beverly Hills. E se falta algum desse provocador grotesco e originalidade no trabalho de Cronenberg, tal nunca se poderia afirmar do trabalho de Moore, cujo melhor momento, pelo menos na minha opinião, será a sua macabramente jovial dança aquando do conhecimento de notícias trágicas que impedirão uma atriz de interpretar o papel por Havana desejado. Em resumo, esta é outra das formidáveis criações desta atriz e é bastante fácil afirmar que esta opera a um nível que mais nenhum ator ou mesmo mais nenhum aspeto do filme consegue alcançar.

 Não seria a minha estupefacta surpresa, quando ao ver o filme me começo a aperceber da condição secundária da própria Havana no decorrer do filme, que apesar de seguir a bizarra estrela como se ela fosse uma protagonista, nunca se constrói grandemente à sua volta, utilizando esta figura mais para dar uma certa faceta satírica mais óbvia ao recorrer à caricatura. O filme demora, aliás algum tempo até nos apresentar a formidável criação de Moore, e antes do clímax do filme, a estrutura narrativa não tem qualquer problema em se desfazer da sua mais bem conseguida criação, quase revelando a sua relativa irrelevância para o desenrolar do suposto enredo do filme.

 Enredo este que se faz à volta de dois irmãos, um adolescente com estatuto de estrela de Hollywood e todos os seus bastantemente previsíveis vícios, Benjie (Evan Bird), e uma jovem com tendências esquizofrénicas e destrutivas que regressa agora a Los Angeles depois do seu quase exílio por parte dos pais, Agatha (Mia Wasikowska). Esta última, é uma estranhíssima e desfigurada figura. Uma outsider que depressa parece integrar-se nesta cidade de estrelas e que se torna uma assistente ou chore whore para Havana. Agatha, apesar da sua aparente inocência inicial, revela-se uma perigosa presença destrutiva tanto para si como para as outras figuras em seu redor, incluindo a sua insuportável família em que todos os mais venenosos clichés da unidade familiar de Hollywood se parecem manifestar. Os seus pais (Olivia Williams e John Cusack) são apenas figuras de uma ineficaz opressão e manipulação que, especialmente no caso da mãe, parecem apenas presentes para o argumentista castigar e criticar na sua ineficaz e óbvia sátira que se encontra infestada de lugares-comuns e aparente falta de originalidade.

 Os atores desta estranha família não são particularmente eficazes, algo particularmente desanimador no caso da notável Olivia Williams, sendo que Wasikowska é a única que consegue fazer alguma impressão positiva, trabalhando num registo semelhante ao explorado noutros dos seus papéis, nomeadamente Stoker. Bird é sem dúvida o maior fracasso do elenco, não sendo de todo possível, para mim como membro da audiência, entender a suposta fama adquirida por esta figura devido ao seu carisma num papel de um franchise mercenário.

 Um ator que vai aparecendo ao longo do filme e que consegue trazer algo de interessante é, sem dúvida, Robert Pattinson no papel de um condutor de limusina, quase que um piscar de olho ao seu trabalho em Cosmopolis em que ele era a poderosa figura guiada pela cidade numa limusina. As suas breves interações com Moore parecem particularmente eficazes, se bem que isto possa resultar de uma certa ambiguidade ou, pelo menos, falta de caricatura óbvia no tratamento do argumento face a esta figura.

 Os aspetos visuais, como já referi, são de uma pobreza medíocre. Nunca caímos num amadorismo ou numa incompetência técnica, este é um trabalho de profissionais com vários anos de carreira. Mas também nunca vemos qualquer vitalidade no tratamento do material. Apenas a banda-sonora de Howard Shore, no panorama sonoro do filme, parece conter algum interesse, mas também não será nada de particular extraordinário.

 Em resumo, o filme apresenta-se como uma sátira vazia e pouco eficaz onde o cliché e o lugar-comum domina, o visual e concretização formal são manifestações de uma aparente complacência ou falta de interesse de Cronenberg. Mas, apesar disso, não consigo recusar valor a um filme que contém em si uma tão maravilhosa prestação de Julianne Moore, que carrega todo o filme nas suas costas e que, mesmo assim, não consegue completamente eclipsar a mediocridade que a rodeia.


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