sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

HOJE EU QUERO VOLTAR SOZINHO (2014) de Daniel Ribeiro



 Tenho já a dizer que, apesar de quaisquer reservas que tenha em relação ao filme, é refrescante ver um filme em que é retratado um jovem homossexual e em que não temos um já moribundo ênfase no seu sofrimento e rejeição social devido a esse aspeto de si. É algo que não terá muito a ver com a qualidade geral do filme, mas depois de anos e anos com as mesmas histórias de “coming out” cheias de adolescentes sofredores e quase martirizados, ver um retrato tão normal, tão casual deste tipo de personagem é, volto a dizer, bastante refrescante.

 Não que não haja nenhum problema de inserção social do nosso protagonista, mas essa questão está principalmente ligada ao facto de que Leonardo (Ghilherme Lobo) para além de estar a descobrir a sua sexualidade, é cego desde nascença. O que será ainda mais interessante é o modo como o filme no seu estudo de personagem parece lutar contra uma definição deste jovem por essas duas facetas suas, a sua sexualidade e a sua cegueira. Aliás, se existe um grande conflito no filme, será a insistência do protagonista em não se deixar definir pela sua cegueira, que tantas vezes parece fazer dele um pária social no seu ambiente escolar.

 Apesar deste meu entusiasmo em relação às temáticas do filme, há que salientar uma coisa. Este é um filme de grande modéstia, que se parece contentar numa atrativa simplicidade formal e em que os seus principais valores vêm de um cuidado na sua observação de personagem. O filme nunca almeja a nada particularmente superior ou mais sofisticado a níveis técnicos ou formais, sendo que o mesmo parece uma estável obra de uma modéstia deliberada.

 Apesar disso, o filme mostra um interessante trabalho de fotografia, em que o mundo do seu protagonista cego nos aparece sempre numa quase idílica beleza de ambientes delicados e banhados por uma suave luz do sol. Apenas num momento fulcral do filme, durante uma cena de festa noturna, é que a iluminação parece querer atingir um nível ligeiramente mais ambicioso no seu uso de luz azul, que para mim criou um grande choque visual. Não sei se essa era a ideia desse momento e, sinceramente, não sei se a beleza superficial do filme realmente funciona, tendo em conta a forma enfática como o filme tenta criar a perspetiva do seu protagonista cego. Fará assim tanto sentido realçar uma beleza visual quando exploramos o mundo de um invisual? Talvez houvesse aqui uma tentativa de contrastar essa mesma falta de visão com um mundo belo e solarengo, mas isso não parece muito explorado no decorrer do filme.

 Outro aspeto da fotografia do filme será o seu uso constante de composições de óbvia geometria, a começar logo pelo plano que abre o filme, que dispõe Leonardo e a sua melhor amiga, Giovana (Tess Amorim), na borda de uma piscina e os filma de uma perspetiva perpendicular ao chão. É uma ótima forma de começar o filme, especialmente no modo subtil como nos revela pormenores de personagem, nomeadamente a cegueira de Leonardo, uma perspetiva idealista e inocente sobre a sua inexistente vida romântica, e o interesse de Giovana em Leonardo, que não parece perceber nenhum dos avanços da sua amiga. Tudo isto visto de um ponto de vista de um delicado observador que parece se esforçar por não fazer juízos de valor. Este tipo de perspetiva e caráter observacional vai permear o filme.

 O equilíbrio desta relação será ameaçado pela chegada de um novo aluno à turma de ambos. Gabriel (Fabio Audi) será o interesse romântico deste leve romance de juventude. Ele torna-se colega de Leonardo num projeto em pares que têm de fazer sobre Esparta (um imperdoavelmente obvio plot device).

 A sua relação vai-se desenvolvendo num retrato bastante naturalista de uma ansiedade e do caráter desajeitado do romance adolescente. Os dois atores são bastante eficazes neste desenvolvimento de relação amorosa, nunca se tornando demasiado seguros de si, nem em termos de linguagem corporal. O filme está cheio de olhares e toques furtivos. Lobo é particularmente eficaz na sua representação de um introvertido que parece sempre tentar reduzir o espaço que ocupa quando em conversa com outrem.

 No final, como seria esperado, os dois ficam juntos e não há grande conflito, Aliás, se há uma grande crítica que tenho a fazer ao filme é que o final se apresenta como um fechar bastante forçado e risivelmente perfeito do filme. Os “bullies” que ridicularizaram Leo no resto do filme, parecem calados pelas mãos dadas dos dois namorados, não de modo maldoso, até parecem felizes por eles. E para além disso existe quase uma repetição da entrada de um novo aluno na turma, que nesta segunda ocorrência parece indicar a entrada de um interesse romântico para Giovana, cuja relação e deterioração com Leo, parece completamente remendada pelo final do filme. Em suma, tudo é resolvido de modo perfeito que dá ares de sacarino.

 Mesmo assim nada disto retira ao filme os seus pequenos e simples triunfos na representação da personagem de Leo e no despertar sexual de dois adolescentes realisticamente desajeitados e inseguros de si. Veja-se por exemplo uma cena em que os dois rapazes estão no chuveiro depois de estarem numa piscina. A câmara mantém a modéstia doa atores, nunca testando o conforto da audiência e chega mesmo a explorar o olhar tímido mas interessado de Gabriel no corpo desnudo de Leo, usando mesmo a perspetiva do olhar de Gabriel no seu trabalho de câmara.

 Este é um filme de simples prazeres que nunca parece tentar chegar a maiores triunfos cinemáticos, mas que dentro do lugar que estabeleceu para si mesmo, parece resultar na sua maioria. É uma experiência solarenga e agradável e até, talvez, nostálgica no modo como retrata este florescer de um primeiro romance na adolescência.

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