terça-feira, 4 de agosto de 2015

GUI LAI (2014) de Yimou Zhang



 Com Gui lai, Yimou Zhang e Gong Li marcam a sua oitava parceria, regressando ao tipo de filme que marcou o início da sua colaboração nos anos 80, um melodrama romântico marcado por toques de tragédia realista. Mais do que os extremos operáticos de Man cheng jin dai huang jin jia ou o humor seco e intensões realistas de Qiu Ju da guan si, este novo filme assemelha-se mais a Ju Dou ou mesmo a Huo zhe. Ou pelo menos assemelha-se no que diz respeito a presumíveis intenções, pois o resultado final é bem diferente do génio alcançado com os seus esforços passados.

 O filme, adaptado de um romance de Geling Yan, inicia-se com uma espécie de prólogo prolongado. Aí observamos Dan Dan (Huiwen Zhang) e sua mãe Feng Wanuy (Gong Li), serem avisadas de que Lu Yanshi (Daoming Chen), o pai de Dan Dan, fugiu do campo de trabalhos forçados onde se encontrava para a sua reeducação. Estamos na China em plena Revolução Cultural. As duas mulheres são precavidas que não deverão ter qualquer tipo de contacto com o homem, expondo desde início os sentimentos conflituosos entre mãe e filha. Dan Dan, uma bailarina com hipóteses de adquirir um papel de protagonista numa nova produção, é completamente fiel à ideologia do seu Governo, para ela, seu pai é um traidor, contrariamente a sua mãe que ainda ama o seu marido.

 Esta espécie de prólogo encerra-se com uma sequência central ao resto do filme, onde os pais de Dan Dan se tentam encontrar numa estação de comboio e são intercetados pelas autoridades, informadas pela sua própria filha. Durante a confusão, Lu Yanshi é capturado e Feng Wanuy sofre uma pancada na cabeça que no futuro lhe irá causar amnésia seletiva. A traição de Dan Dan, motivada por fé cega no regime, e pela sua ambição como bailarina, torna-se o crime central ao enredo do filme, a força de rutura que destrói por completo a unidade familiar.

 A principal ação do filme decorre vários anos depois, com o fim da Revolução Cultural e o subsequente retorno de Lu Yanshi à sua família. De volta a casa, ele descobre a sua mulher que não o consegue reconhecer, e que diariamente volta à estação de comboios do início do filme em busca do seu marido. A sua filha trabalha agora numa fábrica, os sonhos do bailado há muito devastados, afastada da mãe, em parte, pela sua traição cuja culpa ainda carrega.

 Lu passa o resto do filme a tentar fazer com que a mulher o reconheça, em parte com a ajuda da filha que parece olhar esta situação como uma hipótese de parcialmente expiar o sofrimento que causou à família. Por muito que tentem, Feng nunca recupera a memória, mesmo quando confrontada com uma fotografia da juventude em que se vê a face do seu marido, sendo que todas as suas fotos foram em tempos destruídos por Dan Dan no seu fervor cego de destruir a memória vergonhosa do pai traidor.

 As tentativas repetitivas de Lu, acabam por trazer ao de cima segredos dolorosos do passado da sua mulher, sendo que ela chega a confundir o marido com um general com quem em tempos dormiu como modo de assegurar a segurança do marido. No final a única hipótese de reunião entre marido e mulher parece ser o fingimento, sendo que Lu finge ser outras pessoas, incluindo um leitor de cartas, de modo a aproximar-se da sombra da mulher que ainda ama.

 Toda esta descrição parece indicar uma tragédia romântica em que a crítica e reflexão política têm um papel principal, um olhar para o esquecimento de uma nação sobre o seu passado. Na realidade isto não ocorre.

 Enquanto o texto parece indicar intenções históricas e políticas, a direção de Yimou Zhang põe muito mais ênfase no melodrama inerente a tal enredo, mas, ao mesmo tempo, parece sempre estar ciente do pesar da história sobre as suas personagens, mantendo uma seriedade e simplicidade pouco características das suas obras.

 O cuidado visual do realizador está bem presente na recriação da realidade histórica no que diz respeito ao ambiente cenográfico do filme, por exemplo, mas no que diz respeito ao modo como estes espaços e os humanos em si inseridos são filmados, o caso é bem diferente. O filme oferece uma paleta cromática cheia de cinzentos lamacentos, os talentos do realizador para o movimento e composição da imagem parecem estar quase por completo ausentes do filme. Ocasionalmente uma sequência como o bailado em que Dan Dan participa, ou uma das viagens da protagonista do filme à estação de comboios durante o Inverno, demonstram algum interesse visual, mas são raros os momentos do filme que não são apresentados no modo mais entediante imaginável. A música certamente não ajuda. O filme é constantemente acompanhado por um piano sentimental que parece querer apenas exacerbar o melodrama desta tragédia silenciosa.

 Enquanto o realizador tende a abandonar as temáticas mais políticas e complexas que o guião parece sugerir, favorecendo o melodrama da trama romântica, também parece que não se entrega verdadeiramente ao lado mais romântico do filme. O filme parece padecer de demasiado romanticismo melodramático e ao mesmo tempo parece necessitar de ainda mais romanticismo e melodrama para realmente funcionar. Os epítetos emocionais da obra do realizador não se encontram aqui, e o foco do filme parece demasiado afastado das complexidades ideológicas sugeridas pelos conflitos do guião para ser algo quer não um melodrama romântico.

 A estrutura repetitiva do filme, por exemplo, parece sugerir uma tragédia algo distante e metódica, no entanto o realizador injeta estas cenas de sentimentalismo que nunca parece realmente justificado por nada dentro do filme.

As personagens são mais arquétipos que personagens, no entanto são as suas relações familiares e amorosas que estão no centro do filme. Os atores parecem oscilar entre o realismo e o melodrama, sendo que Li é a que mais parece seguir o caminho do sentimentalismo melodramático sem perder o realismo necessário para o filme. Ela é a grande musa de Zhang Yimou por uma razão, e talvez apenas no trabalho da atriz as intenções do realizador parecem fazer sentido no filme.

 Isto não impede o filme de ser genuinamente tocante, mas parece que há sempre algo em falta na mise-en-scène algo que impede o filme de chegar aonde poderia ter chegado.

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