sábado, 22 de agosto de 2015

IT FOLLOWS (2014) de David Foster Mitchell



 Uma criatura, que consegue tomar a forma de qualquer ser humano, persegue uma vítima. Não no ritmo de uma perseguição desenfreada, mas no ritmo de um passeio ligeiro. Essa figura ameaçadora com o seu caminhar vagaroso é apenas visível para a sua vítima, perseguindo-a até a matar. O único modo de se livrar da criatura é a vítima ter relações sexuais com alguém, passando a essa pessoa o monstro. Se o monstro, no entanto, conseguir matar essa pessoa, o monstro começará de novo a perseguir silenciosamente a vítima original. Assim se estabelece uma cadeia que parece misturar uma assombração sobrenatural com uma doença sexualmente transmissível. Estas são as regras da criatura no centro de um dos melhores filmes de terror dos últimos tempos, It Follows.

 No filme, acompanhamos uma jovem adolescente, Jay (Maika Monroe), que, numa noite tem relações com o namorado pela primeira vez, apenas para se ver drogada e amarrada a uma cadeira. O seu namorado, no entanto, apenas a prendeu para lhe explicar as regras que acima referi, explicando à nossa protagonista o monstro que ele acabou de lhe passar. Durante o resto do filme, depois de ter conseguido convencer os seus amigos que não ensandeceu, observamos Jay a tentar fugir da criatura ou mesmo eliminar o monstro. O enredo é simples, apesar de desconcertante, sendo que a chave para o sucesso crítico do segundo filme de David Foster Mitchell é encontrada não na complexidade da história mas sim na brilhante execução da mesma.

 O guião, apesar de ter em si clichés típicos do género de terror como o uso do sobrenatural para criar uma espécie de castigo para a sexualidade adolescente, é extremamente refrescante para o panorama atual do género. Quando digo isto refiro-me principalmente a uma mistura interessante entre lógica e humor que parece permear o filme, nunca deixando as suas personagens cair na irracionalidade idiótica de tantos outros adolescentes em filmes semelhantes, mas também criando um ambiente de camaradagem e humor à base de personagem. Para além disso, a protagonista é uma fantástica criação, uma final girl para os tempos modernos, se bem que isso também se deve grandemente ao trabalho da atriz principal, sendo que o elenco de modo geral é surpreendentemente hábil na criação de um ambiente entre o naturalismo cómico e relaxado e a tensão asfixiante do terror.

  Neste filme, David Foster Mitchell cria uma um balanço magistral entre tom e ritmo, apoiando-se principalmente em planos gerais para mostrar a ameaça sobrenatural. Constantemente olhamos o espaço envolvente e examinamos as figuras humanas, tentando parecer se alguma delas será o monstro. Existe aqui uma confiança na audiência, uma recusa do tipo de manipulação descarada que é usual no cinema de terror. A distância e a frieza do olhar fazem mais para injetar medo e tensão que o uso de jump scares que quando aqui ocorrem ganham impacto pela sua raridade.

 Olhe-se até para a iluminação e cenografia do filme em que os edifícios decrépitos e o ambiente noturno e sombras obstantes são substituídos por ambientes perfeitamente suburbanos e solarengos. Talvez o único ambiente que caia no cliché usual seja mesmo a localização da sequência em que a protagonista é amarrada pelo namorado e que anteriormente mencionei.

 Mas o seu domínio sobre o tom do filme não se estende só à criação de suspense e tensão. Esse humor, que acima referi, é também conseguido a partir de uma mão leve, mas segura na realização. Muito disto provém dos ritmos do filme, maravilhosamente dominados na montagem. Em certos momentos, como numa conversa do grupo de amigos sentados na relva, a recusa do corte, a falta de montagem está na origem da tensão, no entanto não eliminando o registo relativamente relaxado da conversa em si. Esse tipo de relação harmoniosa entre os conceitos antagónicos de tensão e descontração parece-me ser a chave do sucesso do filme, assim como da sua relativa distanciação do panorama de terror contemporâneo.

  Muito do filme, desde o seu uso de um grupo de adolescentes, à sua banda-sonora, são homenagens a filmes das décadas de 70 e 80, sendo que a inspiração em John Carpenter é bastante difícil de ignorar especialmente no que diz respeito à deliciosa música composta pelos Disasterpiece para o filme. No seguimento desta inspiração é interessante olhar a indefinição temporal em que o filme se encontra, tendo em si elementos de época como carros, música, filmes, televisões, mas combinando com elementos contemporâneos e até futuristas. Essa indefinição poderá, para alguns, ser fonte de distração e irritação, mas para mim apenas exacerba o charme do filme, que com estes elementos e constante tensão, parece existir numa outra realidade, como se de um pesadelo acordado se tratasse.

 É um filme essencial para qualquer fã do cinema de terror, assim como um ótimo filme mesmo fora dos critérios desse género. Obras assim apenas tornam o futuro trabalho do realizador algo imensamente antecipado e desejado. Mesmo que não faça mais nada de relevante, David Foster Mitchell tem aqui uma joia cinematográfica, um pesadelo lúcido numa solarenga tarde do final do Verão.


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