domingo, 23 de agosto de 2015

LOIN DES HOMMES (2014) de David Oelhoffen



 No seu mais recente filme, o realizador francês David Oelhoffen adapta um conto de Albert Camus, transformando uma exploração existencialista num western passado na Argélia no ano de 1954, no início da dita Guerra da Independência Argelina. As ideias centrais de Camus ainda se encontram no filme, assim como as suas figuras e situações, mas o filme expande sobre Camus, expandido também o espaço, passando da escola em que o filme se inicia e encerra e onde todo o conto se situa, para uma viagem pelo deserto Argelino.

 Essa viagem tem como protagonistas dois homens, Daru (Viggo Mortensen) e Mohammed (Reda Kateb). O primeiro é um professor francês argelino de pais espanhóis, um homem essencialmente sem pátria, a viver num país que o quer expulsar para outro onde ele não pertence. Em Daru, ideias de dever, honra e moralidade combatem entre si, especialmente quando confrontado com a tarefa de transportar o segundo protagonista ao longo do deserto depois de este ter ficado sobre a sua custódia. Mohammed inicia o filme como um homem condenado ao julgamento depois de ter morto os seus primos, tendo de seguida se entregue à polícia francesa. A sua viagem tem como destino esse julgamento perante a lei colonialista, sendo que pelo caminho tiroteios acontecem, uma visita a um bordel espanhol e encontros com membros de ambas as fações da Guerra que está prestes a despontar no mundo do filme.

 O western é um género essencialmente americano, se bem que ao longo da história do cinema, vários outros cinemas nacionais dele se apropriaram, quer sejam os famosos spaghetti westerns do cinema italiano, quer sejam os épicos de samurais de Akira Kurosawa. No caso deste filme, isto também se verifica, não só no que diz respeito ao enredo e à expansão sobre a história original, mas também na execução, que na sua clareza direta e modo de explorar a paisagem desértica faz lembrar os filmes de John Ford, essa divindade do western americano.

  Em substituição de Monument Valley temos o deserto Argelino, e tal como Ford filmava os seus mais célebres e populares filmes, a paisagem torna-se mito, quase que personagem dentro do filme. A viagem dos dois protagonistas, que textualmente é completamente presa a um tempo, lugar e momento político específico, é libertada de tais especificidades pelo primitivismo e aridez do deserto, transformando-se numa jornada quase intemporal. Existe uma natureza quase mitológica ao filme, um conto moral de outros tempos imemoriais, em que a Natureza se estendia em toda a sua majestade sobre a insignificância da figura humana.

 Momentos como o final de uma sequência em que os dois protagonistas acabam por matar um outro homem, mostram perfeitamente o uso do ambiente por parte do realizador, que faz o centro de um plano não os protagonistas que se afastam, mas sim as suas sombras distorcidas na parede rochosa. Há uma beleza quase violenta em tais imagens, mas o deserto nunca parece ser uma entidade ameaçadora como em Strangerland ou outros filmes semelhantes. Este tipo de controlo e clareza lembram o virtuosismo direto e enganadoramente simples de Ford e outros mestres do western.

 Mas se a mão que dirige o filme é segura e maquinalmente precisa, as figuras que interpretam os humanos dentro da história também o são. Mortensen, em particular, é uma escolha inspiradora para Daru. Um ator célebre pelo seu lado poliglota que já entrou em filmes falando mais de cinco línguas distintas, aqui aparece-nos como um homem sem pátria. Para os franceses é um árabe, para os árabes é um francês, e para si mesmo parece ser uma indefinição. Ao longo do filme ele parece querer se distanciar dos franceses, ao mesmo tempo que a sua jornada se trata de uma viagem pelo dever do controlo e lei francesa. Uma contradição que consegue ser brilhantemente humana e clara nas mãos do ator, que consegue até tornar o muito duvidoso e sentimentalista final em relativamente bem-sucedido.

 Kateb não é de menor relevância, mas o filme, tal como a sua origem literária, é muito mais focado na perspetiva de Daru. Sendo que o momento chave no conto de Camus é aqui apresentado como um choque formalístico quando Kateb olha diretamente para a câmara aquando da sua decisão. Quando o poder de escolha lhe é concedido, o filme para. Aqui não é o olhar de Daru que prevalece, mas sim um olhar mais omnipresente, mais esmagador, um olhar direto para os olhos do homem face à escolha entre a vida e a morte, a luta patriota ou o dever familiar. A abordagem pode ser um pouco cliché, especialmente quando face à escolha entre dois caminhos, a personagem é literalmente mostrada face a dois caminhos traçados no solo, mas, simultaneamente, continua a mostrar o estilo direto, eficaz e claro do resto do filme, uma abordagem até um pouco invulgar na sua utilização de um classicismo tão notório.

  Os outros elementos do filme como a música ou a cenografia seguem o caminho de eficácia simples e clara, se bem que a música por vezes parece oscilar entre verdadeira inspiração sonora e distrativo intruso a um filme que parece brilhar mais quando os sons do deserto se manifestam na sua glória naturalista sobre a banda-sonora do filme.


 As ambições talvez não sejam enormes, e o final deixa muito a desejar com a sua tentativa de concluir a viagem ideológica e emocional de Daru, no entanto, o filme é uma obra fascinante. A sua apropriação de elementos do western americano prova-se como uma escolha brilhante, tornando intemporal e quase mitológica uma história fortemente ligada à história do colonialismo francês. O passado colonial é assim tornado lenda, um conto intemporal de um mundo árido, visualmente longe da civilização contemporânea. O existencialismo de Camus torna-se então mito, mas o toque humanista tanto do realizador como do elenco permite a esse mito nunca perder de vista o seu elemento humano no centro tanto da sua exploração existencialista como da sua reflexão histórica e política.

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