segunda-feira, 24 de agosto de 2015

MAGNIFICENT OBSESSION AWARDS - 2014


 Com Setembro a aproximar-se a passadas largas, vem também aí o festival de Toronto e com ele o inevitável início da dita awards season, culminando tudo isto no ano que vem na cerimónia dos Óscares. Face a isto e seguindo o exemplo de muitos outros blogues de cinema, decidi mostrar aqui algumas das minhas escolhas no que diz respeito ao “melhor” do cinema do ano passado. Sei que venho um pouco tarde mas é sempre interessante compor tal listagem. Para as minhas escolhas decidi seguir-me pelos anos que estão associados aos filmes no IMDB, sendo que estreias de festivais contam e que muitos filmes que só tiveram distribuição este ano fazem parte destas escolhas. Nas categorias decidi seguir o modelo dos Óscares com algumas alterações como a combinação de ambas as categorias de som e a eliminação de algumas outras categorias que acho relativamente supérfluas. Bem, aqui estão as minhas escolhas (os “vencedores” são quem tem a imagem a ilustrar a sua categoria):



 Melhor Filme


Ma'a al-Fidda
Mommy
Mr. Turner
National Gallery
Plemya

 Cinco extraordinários filmes, bastante distintos entre si. Um deles, um documentário observacional sobre a mais famosa galeria de arte em Londres, uma brilhante reflexão sobre o consumo e apreciação de arte numa cultura e economia contemporânea. Outro, uma exaltação do amor maternal, um melodrama formalmente ambicioso e a explodir de energia.

 Apesar do meu usual ódio por filmes biográficos, aqui aparece um exemplo desses mesmos filmes, a biografia de William Turner tornada pintura quase impressionista ao retratar momentos soltos de uma vida, capturados com uma beleza magistral.

 Mas se a história do cinema avança com a inovação, então Plemya e Ma'a al-Fidda, são as grandes gemas desta seleção. O filme ucraniano olha a violência numa sociedade pós-soviética e os jogos de controlo, poder e violência que nesse mundo são jogados, nunca permitindo a audiência perceber completamente o filme ao não legendar a linguagem gestual ucraniana. Um filme que coloca o ser humano no centro em todo o seu fascínio e horrível fealdade. Mas o grande milagre do cinema no passado ano foi, para mim, o documentário sobre o estado atual da Síria construído a partir de vídeos postados na net e de filmagens trocadas por e-mail entre os dois criadores do filme. Uma obra para uma era da internet, um grito de angústia por uma nação em verdadeiro apocalipse, um poema sobre a humanidade desde o milagre do nascimento ao horror que o Homem cria sobre si mesmo. Um filme verdadeiramente inovador, comovente e indispensável.



Melhor Realizador

Wiam Bedirxan e Osama Mohamed por Ma'a al-Fidda
Xavier Dolan por Mommy
Bruno Dumont por P’tit Quinquin
Mike Leigh por Mr. Turner
Miroslav Slaboshpitsky por Plemya

 Bedirxn e Mohamed trazem ao seu filme tanto uma fúria e coragem poucas vezes vistas no panorama do cinema contemporâneo, assim como uma melancolia lírica sobre o estado da Humanidade atual. Retratam uma realidade coletiva a partir das suas perspetivas individuais e fazem algo de extraordinário, um grito em forma de filme.

 Também rico em gritos é o trabalho de Dolan, que com este filme parece chegar à final maturação do seu estilo, brincando com o formalismo da sua obra e levando o género do melodrama ao cinema contemporâneo com uma energia e ferocidade impossíveis de negar.

 Dumont cria um dos mais bizarros filmes do ano passado, misturando a tragédia inerente ao policial sobre um serial killer e misturando isso com algum do mais estranho humor que já vi em cinema. Por detrás de todas as visões ridículas e faces grotescas, existe no entanto uma pulsante humanidade no seu filme, algo que apesar de vislumbrado na sua obra passada nunca esteve tão maravilhosamente exposto como aqui.

 Leigh adapta o seu estilo à biografia, virando as costas às estruturas dramáticas do género e filmando o seu filme como pedaços de uma vida, colecionados num retrato, numa pintura em forma de filme. A sua perspicácia para o trabalho de atores junta-se a um absoluto domínio estético e artístico sobre a sua obra e protagonista.

 Finalmente, Slaboshpitsky eleva o seu filme a mais que uma simples experiência, usando o som, planos sequência e uma distanciação e tom glacial, para criar um dos mais perturbadores filmes dos últimos tempos. A barreira de comunicação força a audiência a olhar os humanos, examinar os seus comportamentos e observar à distância a sua crueldade e semelhança consigo próprios.



Melhor Atriz Principal

Marion Cotillard em Deux Jours, Une Nuit
Anne Dorval em Mommy
Julianne Moore em Maps to the Stars
Julianne Moore em Still Alice
Melisa Sözen em Kis Uykusu

 Julianne Moore domina esta lista com duas menções, duas interpretações que exploram dois caminhos antagónicos na carreira da atriz. Num filme vemos uma implosão progressiva do indivíduo abordado de forma naturalista e não forçosamente dramática. No outro vemos uma grotesca criação, brilhante na sua estilização bizarra e perturbante, perfeita para a sátira em que se inclui. Ambos os filmes têm a atriz como a sua salvação e em ambos os casos o génio da sua interpretação consegue elevar as obras.

 As restantes atrizes encontram-se em filmes mais ambiciosos e bem-sucedidos. Sözen encontra nas sequências prolongadas de Ceylan, uma presença melancólica avassaladora. Olhar para os seus olhos é quase doloroso em certas partes do filme, especialmente quando em cena com o protagonista masculino.

 Dorval pega na histeria melodramática de Mommy e grita, chora e sofre, sem deixar a sua criação cair na caricatura. No final é a sua escolha dolorosa e esperança desesperada que transparecem e ficam com a audiência.



 Cotillard, a minha favorita desta seleção, tem sobre os seus ombros todo o seu filme, sendo que a estrutura repetitiva e invariável foco na sua personagem, fazem de Cotillard um estudo naturalista de depressão, desespero e perseverança na situação económica da Europa atual. Nas suas mãos o ato de andar de autocarro e beber uma garrafa de água torna-se um dos mais belos momentos capturados pela câmara dos irmãos Dardenne.


Melhor Ator Principal

Haluk Bilginer em Kis Uykusu
Ralph Fiennes em Grand Budapest Hotel
Jake Gyllenhaal em Nightcrawler
Timothy Spall em Mr. Turner
Channing Tatum em Foxcatcher

 Com a única comédia desta seleção, Fiennes oferece a mais deliciosa confeção da sua carreira, criando no protagonista do filme de Wes Anderson, um homem que parece emergir do próprio requinte do seu ambiente. Um sonho meio ridículo de uma era pomposa e elegante que apenas vive na nostalgia do passado, Fiennes é uma joia cómica.

 Bastante longe de tais frivolidades adocicadas temos Gyllenhaal, qual inseto em forma humana, com olhos arregalados e tiques grotescos. Um predador insaciável e assustador, tanto na sua atitude formidável como na banalidade da sua aparência e ambição, Gyllenhaal consegue imbuir o seu psicopata com algo levemente infantil e curioso sem perder o desconforto constante da sua presença vampiresca.

 Bilginer é o centro egotista, egocêntrico e casualmente cruel do seu filme. As suas atitudes e confusão são a perfeita personificação da incapacidade humana de entender o outro ser humano. As cenas de diálogo prolongadas com o resto do elenco são particularmente louváveis, especialmente no que diz respeito à sua constante atitude de superioridade intelectual, moral e aristocrática.

 Spall e Tatum veem-se com a tarefa de interpretar figuras verídicas, ambos explorando brilhantemente a sua fisicalidade. Mas enquanto Tatum é uma besta bruta e quase primitiva na sua inocência e simplicidade, Spall encontra em Turner um poço de infindáveis contradições. Um artista e um animal, um homem delicado e um bruto abrasivo, uma figura grotesca e voraz e um velho melancólico, uma criação sem igual tanto na carreira do ator como do realizador que o guia aqui.


Melhor Atriz Secundária

Patricia Arquette em Boyhood
Jessica Chastain em A Most Violent Year
Suzanne Clément em Mommy
Rene Russo em Nightcrawler
Kristen Stewart em Clouds of Sils Maria

Arquette e Stewart dominam esta lista com um naturalismo relaxado que em ambos os filmes funciona como uma brisa de ar fresco. Stewart é uma quebra maravilhosa nas explorações cliché e forçosamente intelectuais do seu filme, parecendo existir noutra realidade do resto do seu elenco, sendo que quando desaparece perto do final do filme, é impossível a obra recuperar da sua ausência. Arquette evolui ao longo dos anos, evitando o melodrama fácil em que poderia ter caído e que não tem lugar neste filme, Talvez o melhor mesmo seja a sua aspereza e humor que nunca deixam a figura maternal tornar-se numa ideia distante, ou numa anotação passageira na vida do filho e na estrutura do filme.

 Clément, pelo contrário, envolve-se no melodrama de Mommy, emergindo com, talvez, a mais reticente das suas contribuições para a filmografia de Dolan. A sua gaguez e comportamentos bizarros conjugam-se com uma quietude surpreendente e falta de afetação, que faz da sua presença algo essencial para o delicado balanço do seu filme.

 Russo e Chastain, ambas interpretam figuras formidáveis tanto na sua aparência de uma beleza glacial, assim como no seu jogo de perceções e fachadas. Russo vai nadando entre poder e vulnerabilidade, deixando sempre uma sobra constante de voracidade curiosa transparecer. Chastain, pelo contrário, apresenta uma fachada digna de uma Michelle Pfeiffer, aquando de Scarface, mas vai dando vislumbres de alguém que aparenta muito mais controlo e frieza do que realmente possui.



Melhor Ator Secundário

Buddy Durress em Heaven Knows What
Ethan Hawke em Boyhood
Peyman Moaadi em Camp X-Ray
Mark Ruffalo em Foxcatcher
Andrew Scott em Pride

 Admito que Moaadi possa quase ser considerado um protagonista no seu filme, mas é o modo como este suporta e informa as atitudes da personagem de Kristen Stewart que realmente mostram o seu génio. Existe uma facilidade e falta de afetação no seu trabalho que conseguem evitar os clichés de filmes semelhantes, nunca fazendo do prisioneiro que interpreta uma figura santificada ou idealizada, deixando sempre uma arrogância e inteligência se mostrarem por entre os seus comportamentos, mesmo nos seus momentos mais agressivos e vulneráveis.

 Hawke e Ruffalo são particularmente brilhantes no modo como recusam o dramatismo dos seus papéis, encontrando-se em ambos os casos uma aparente falta de esforço por parte dos atores. Num caso, o humor fácil e progressivo cansaço e maturidade são impressionantes, tornando uma figura paternal em alguém que parece amadurecer, tentando ao mesmo tempo manter a aparência de despreocupação e charme de uma juventude passada. Ruffalo como a vítima central ao enredo do seu filme é uma tempestade silenciosa de amor filial e resignação feroz. Sendo que os seus melhores momentos são a sua comunicação extremamente física e tátil com o irmão e a desconfortável entrevista sobre o seu futuro assassino.


 Durress interpreta o que aparenta ser uma versão de si próprio, com uma facilidade assombrosa. Mais que os protagonistas na sua autocriada tragédia romântica, é a presença apática e casualmente desesperada de Durress que torna o mundo do filme uma experiência quase tátil e enervante. Por fim, Scott oferece uma visão de anos de mágoas e rejeições sob uma constante fachada de simpatia misturada com uma ligeira melancolia. Os seus rasgos de contentamento e nostalgia aquando da sua primeira visita à comunidade mineira são particularmente comoventes.


Melhor Argumento Original

Roy Andersson por En duva satt på en gren och funderade på tillvaron
Stephen Beresford por Pride
Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne por Deux Jours, Une Nuit
Bruno Dumont por P’tit Quinquin
Michel Rejtman por Dos Disparos

 Beresford consegue miraculosamente pegar na fórmula da história inspiradora verídica e criar um retrato de duas comunidades, recusando usuais narrativas heroicas e individualistas e criando uma maravilhosa teia de personagens eximiamente definidas e desenvolvidas, sem nunca descurar no que diz respeito à leveza e gentileza da sua comédia mesclada de amargura social.

 Com uma estrutura repetitiva, os irmãos Dardenne oferecem aqui, aquele que, para mim, é o seu melhor texto. Uma exploração ao mesmo tempo de uma figura a combater a sombra da depressão, assim como um retrato da economia Europeia e seu esquecimento dos humanos nela envolvidos.

 Mas são as três comédias negras nesta seleção, que realmente me prendem a atenção. Andersson encerra a sua trilogia com esta maravilhosa obra de segmentos interligados onde o desconforto e a condição humana são tornadas bizarra e muitas vezes absurdista comédia. Dumont cria uma trama que tanto é uma comédia, como um policial bizarro e uma tragédia humanista. Finalmente, Rejtman traz uma estranha apatia ao seu filme, onde o comportamento humano é algo quase incompreensível e estranhamente cómico. As ligações entre os vários membros do elenco lembram os filmes mosaico de Iñarritu, mas a negação do dramatismo, o humor negro e a apatia avassaladora, fazem do filme uma experiencia invulgar e tão divertida como friamente alienante.


Melhor Argumento Adaptado

Andrew Bovell por A Most Wanted Man baseado no livro de John Le Carré
Jez Butterworth, John-Henry Butterworth e Christopher McQuarrie por Edge of Tomorrow baseado no livro All You Need Is Kill de Hiroshi Sakurazaka              
Ebru Ceylan e Nuri Bilge Ceylan por Kis Uykusu baseado em contos de Anto Checkov
Gillian Flynn por Gone Girl baseado no seu livro
Antoine Lacomblez e David Oelhoffen por Loin des Hommes baseado no conto L'Hôte de Albert Camus

 Edge of Tomorrow talvez pareça ser uma estranha escolha, mas com o seu domínio exímio da lógica de um videojogo e seus jogos de ritmo e repetição, o filme consegue tornar-se um dos mais inteligentes filmes de ação dos últimos anos, sem descurar no que diz respeito ao entretenimento ou mesmo ao humor.

 Loin des Hommes adapta Camus eximiamente, expandindo um conto existencialista num western marcado por explorações morais e políticas.

 A partir de Checkov, o filme de Ceylan encontra na sua adaptação para o inverno turco, um apelo à empatia, assim como uma sofredora reflexão sobre a impossibilidade de um ser humano perceber o outro. Tudo isto, conseguido a partir de magistrais diálogos, que apesar do seu tamanho não perdem a atenção do seu público.

 Bovell segue o classicismo e elegância de Carré na sua história de amoralidade, espionagem e jogos políticos.

 Flynn adapta a sua própria obra numa brilhante exploração pós-moderna no próprio género do policial assim como da natureza do casamento, pelo caminho criando um dos filmes mais fervorosamente discutidos do ano passado.



Melhor Montagem

Xavier Dolan por Mommy
Jean Luc Godard por Adieux au Language 3D
James Herbert e Laura Jennings por Edge of Tomorrow
Julio Perez IV por It Follows
Frederick Wiseman por National Gallery

 Mommy demonstra o mesmo tipo de ritmo dos filmes passados de Dolan, sendo exuberante e errático, mas parando por vezes em momentos sublimes, deixando as sequências musicais respirar. O seu trabalho na sequência da fantasia da protagonista sobre o futuro do filho é particularmente impressionante, criando uma visão confusa e fragmentada como uma memória meio esquecido de um futuro imaginado.

 Godard também mostra uma energia formidável no seu último filme, criando uma mescla caótica de imagens e encontrando um humor refrescante por entre os seus usuais pretensiosismos. O autor envelhecido parece encontrar gozo nos lugares mais estranhos sem nunca perder o seu lado aventureiro no que diz respeito a forma e estrutura. Um momento em que combina dois movimentos de câmara opostos no mesmo plano em simultâneo é, talvez, o melhor uso de 3D na história do cinema, completamente apoiado na montagem e ritmo das imagens.

 Edge of Tomorrow aplica ritmos cómicos a alguma da melhor montagem de filme de ação do cinema recente. Há um ritmo fervoroso e enervante no filme, que marca ainda mais estrondosamente as ocasiões em que a montagem parece relaxar e deixar a audiência respirar e repousar. A sua qualidade repetitiva é particularmente bem acompanhada pela montagem.
 Numa semelhante mistura de comédia com tensão vem It Follows, uma magistral mescla de tensão conseguida a partir da suspensão dos momentos e planos, com uma certa ligeireza ritmada que cria uma falsa segurança e permite o lado humorístico do filme brilhar. A montagem é impossível de separar do efeito geral deste brilhante filme de terror.



 Como é possível pegar num ano de filmagens das atividades de um museu, fazer um filme com três horas, e conseguir que não haja um momento morto em toda a longa-metragem? Não tenho bem a certeza, mas Wiseman consegue-o sem nunca mostrar nada de vistoso. Montagem discreta e esplendorosamente eficaz. Há uma beleza estranha em tal elegância cinematográfica, aqui alcançada pela mão precisa de um dos grandes autores de documentários.



Melhor Fotografia

Fabrice Aragno por Adieux au Language 3D
Jingsong Dong por Bai ri yan huo
Dick Pope por Mr. Turner
André Turpin por Mommy
Bradford Young por A Most Violent Year
 Adieux à Language e Bai ri yan huo são, desta seleção, os filmes que mais riscos tomam com o uso da cor. No filme francês, as câmaras digitais de pouca qualidade fazem do filme uma miragem alucinante de cores ora ácidas e violentas, ora desleixadas e deliberadamente feias, envoltas no melhor uso de 3D que já vi. Enquanto no noir chinês, Jingsong Dong foge à tradição do género e substitui as sombras expressionistas e monocromáticos por um mundo inequivocamente urbano inundado por luzes artificias em todas as direções. O noir é trazido tanto à contemporaneidade como a uma nova cultura, e a um novo visual. O seu trabalho nas cenas noturnas é particularmente excitante, tornando a sujidade e degradação urbana num sonho multicolorido.

 Mommy não é só visionário na sua composição pouco ortodoxa. Mas também é fantástico na criação de um mundo profundamente belo, cheio de luzes suaves e matizes douradas que fazem o filme parecer um companheiro da obra passada de Douglas Sirk. O uso de shallow focus e desfoque deliberado são particularmente belos, especialmente na coleção de magníficos momentos musicais que pontuam o filme.

 Também A Most Violent Year parece existir numa luz amarelada da nostalgia, mas aqui não se trata tanto da nostalgia do indivíduo como da nostalgia de uma cidade. Nova Iorque é transportada para a sua aparência nos filmes da década de 70, rica em sombras e doentiamente amarelada, como se o mundo oscilasse entre a beleza nostálgica e a podridão social, mesmo no que diz respeito à sua aparência.

 E finalmente, Dick Pope alcança algo de divino em Mr Turner, pintando com a luz o mundo de Turner e fazendo de cada plano do seu filme uma pintura viva. É o mais belo de todos estes filmes, mas a sua beleza não é uma simples futilidade, mostrando o mundo pelos olhos do seu protagonista e encontrando beleza e harmonia tanto numa paisagem marítima como nas texturas rudes de uma casa podre de onde varejeiras mortas caem do teto.


Melhor Cenografia

Suzie Davies e Charlotte Watts por Mr. Turner 
Alex Holmes e Jennifer Drake por The Babadook
Sebastian T. Krawinkel e Yesim Zolan por A Most Wanted Man
Adam Stockhausen e Anna Pinnock por Grand Budapest Hotel
Katia Wyszkop por Saint Laurent

Mr. Turner e Saint Laurent ocupam-se ambos de criar mundos físicos a partir da detalhada reprodução histórica. Na biografia do pintor existe uma natureza quase tátil aos cenários, os materiais rudes quase que se cheiram através do ecrã. Não é um trabalho cenográfico particularmente atraente oscilando entre rigidez vitoriana e a decadência dos interiores do atelier de Turner, mas existe nele uma beleza estranha e imperdível.

 No caso do filme sobre Yves Saint Laurent, o estilo e a beleza estética estão acima de tudo e tudo contaminam. Mesmo as ruas despidas da capital francesa parecem ter sido cuidadosamente escolhidas para um editorial de moda, sendo que os cenários transpiram sempre de beleza e sofisticação. Não há um passo em falso, desde a opulência do apartamento do protagonista até a um teto de uma discoteca coberto de néons multicoloridos.

 Num diferente tipo de decadência, A Most Wanted Man expõe uma Alemanha contemporânea assombrada pelas sombras do passado. A modernidade fria mescla-se com a escuridão criminosa do passado do país. Um ambiente apropriado a este thriller, que parece sufocar a audiência assim que se olha o mundo friamente decadente e apodrecido do filme.

 Mas qualquer desconforto visual desses outros filmes não se compara ao horror proporcionada por The Babadook. Desde a casa com a sua pintura escura e ameaçadora ao livro de desenhos que deve ser um dos melhores adereços já criados nos anais do cinema de terror, há algo de profundamente genial em todo o design. Horrendo, mas genial.

  Cabe, no entanto, ao filme de Wes Anderson tomar as mais altas honras. Mais nenhum filme tanto dependeu da sua cenografia e mais nenhum atingiu tais píncaros. As detalhadas e obsessivamente complexas visões do realizador são aqui exacerbadas a um ambiente rico em artifício e elegância. Mas uma elegância sempre cortada por um profundo sentimento de ridículo. Não há aqui nada de natural, neste mundo que vomita requinte ao mesmo tempo que parece ser tão frágil e efémero como os bolos que vão aparecendo pelo filme. Se há maneira de criar comédia a partir do espaço e da decoração, então aqui temos o seu maior exemplo.


Melhores Figurinos
Milena Canonero por Grand Budapest Hotel
Jacqueline Durran por Mr. Turner
Christian Gasc e Valérie Ranchoux por Madame Bovary
Anaïs Romand por Saint Laurent
Ami Sow por Timbuktu


 Nas mãos de Canonero, as figuras do filme de Wes Anderson parecem converter-se em requintados cartoons. As cores são quase ácidas na sua intensidade, e a demarcação de vilania a partir do vestuário é perfeitamente ridícula. A elegância da Europa de outrora filtrada pela demente sensibilidade de Anderson e da sua figurinista. O uso de padrões tirados das pinturas de Klimt no guarda-roupa de Tilda Swinton é particularmente maravilhoso.

 Mr. Turner e Madame Bovary tratam de épocas semelhantes, se bem que em nações diferentes, mostrando visões bastante diferentes sobre a questão do figurino de época. Jacqueline Durran aposta na textura, no detalhe e na rudeza dos figurinos, criando uma visão tão cimentada num suposto realismo como no impressionismo da pintura de Turner. A figurinista pode estar presa à reprodução de época, mas as suas criações não deixam de ser impressionantes e essenciais a criação de todo o maravilhoso visual do filme.

 Fugindo a esse nível de autenticidade temos os figurinistas de Madame Bovary, que vestem a sua protagonista em cores ácidas e desconfortáveis, tornando-a quase que num inseto gigante face ao resto das figuras do filme. Emma Bovary flutua sobre o filme como um fantasma multicolorido, e silhuetas e cortes pouco práticos mas inegavelmente vistosos. As brincadeiras com os níveis de estilização entre Emma e o resto do elenco são especialmente louváveis.

 Em Saint Laurent udo gira à volta das roupas, sendo que o filme nos oferece tanto uma coletânea de reproduções de desenhos de Saint Laurent, assim como um mundo elegante em todas direções, até os mais distantes figurantes estão vestidos como que saídos de uma passerelle parisiense. Se em Mr. Turner, o trabalho de Dick Pope expunha o olhar do protagonista, aqui o mesmo é feito pelos figurinos de Ami Snow. O casaco branco de Louis Garrel aquando da sua introdução é particularmente memorável, como que brilhando lascivamente por entre a escuridão sedutora de um clube noturno.

 Em Timbuktu tais exuberâncias estilísticas não existem, mas não é por isso que os figurinos são de menor relevo. Num filme que se desenrola à volta de conflitos sociais e religiosos, a importância da indumentária é inegável, criando códigos visuais que tanto podem condenar como salvar as figuras do filme. O uso da cor é de salientar, criando pinceladas de cores ricas na paisagem desértica que envolve a ação do filme.


Melhor Caracterização

Christine Blundell por Mr. Turner
Frances Hannon e Mark Coulier por Grand Budapest Hotel
Gigi Williams e Miia Kovero por Inherent Vice  
Elizabeth Yianni-Georgiou e David White por Guardians of the Galaxy
Charlotte Arguillère, Nathalie Tabareau, Laure Talazac e Aude Thomas por Saint Laurent


Destes cinco filmes, o blockbuster da Marvel é, sem dúvida, aquele com a mais exuberante maquilhagem, criando uma coleção de bizarras criações. A maquilhagem de Karen Gillan é particularmente impressionante. Não é particularmente subtil, mas subtileza não seria apropriada a tal filme.
 Mr. Turner e Inherent Vice recriam épocas díspares com o mesmo tipo de cuidado, nunca temendo cair no grotesco ou levemente ridículo. Em Vice isso ainda á mais exacerbado para suportar a comédia do filme, exagerando o look dos anos 70 sem perder uma pátina de verossimilhança. Turner é particularmente louvável no modo como mostra a degradação ao longo dos anos, quer seja pelo envelhecimento, quer seja na progressiva doença de pele da sua criada.
 Grand Budapest Hotel e Saint Laurent tentam recriar mundos de elegância e estilo. O filme de Wes Anderson tenta encontrar comédia nessas criações, fazendo como os figurinos e elevando as suas figuras a cartoons vivos. Para além disso, ainda temos algumas maquilhagens mais complexas como a transformação de Tilda Swinton numa milionária envelhecida. A caracterização do filme francês continua o que a cenografia e figurinos já fazem e ajuda a criar um mundo que parece existir como um contínuo editorial para uma revista de moda. Algumas das escolhas mais interessantes incluem os membros tatuados das festas de Yves e Jacques, como o homem com o desenho de um fato tatuado no corpo.

Melhores Efeitos Visuais
Dawn of the Planet of the Apes
Godzilla
Guardians of the Galaxy
Interstellar
X-Men: Days of Future Past
 A categoria dos blockbusters dos grandes estúdios, como os filmes da Marvel. Um deles desenvolvendo os poderes e efeitos vistos em filmes passados enquanto encontra novas ideias visuais como uma cena em câmara lenta para o mutante Quicksilver, ou os portais convocados pela personagem de Fan Bingbing. O outro mostra a criação de personagens fantásticas como Groot e Rocket, que conseguem ser mais interessantes e carismáticos que muitos dos seus parceiros de cena humanos. Também a beleza reminiscente de comic books conseguida com alguns dos planos ricos em CGI lembra as possibilidades mais ambiciosas deste tipo de efeitos.

 Quando falamos na criação de personagens digitais também temos Dawn of the Planet of the Apes, em que a tecnologia de motion capture continua a avançar, criando um elenco de símios digitais tão ou mais convincente que o elenco de carne e osso.

 Godzilla trabalha sobre outro tipo de animal. Ao invés dos protagonistas de Dawn e Rocket de Guardians, há pouco de humanoide nas bestas monumentais deste filme, O peso e perceção de monumentalidade que os efeitos conseguem transmitir é impressionante, tornando os monstros digitais em presenças esmagadoramente físicas dentro do seu filme.

 Interstellar é, talvez, o filme com as técnicas menos ortodoxas, usando projeção de ambientes gerados por computador e mecanismos complexos para criar o movimento dos robots do filme. Os ambientes apesar de impressionantes e imersivos, parecem por vezes pecar pela falta de originalidade, o que talvez seja mais culpa da cenografia, mas a maravilha técnica dos efeitos visuais do filme é dificilmente negada.



Melhor Banda-Sonora Original
Faris Badwan e Rachel Zeffira por The Duke of Burgundy
Alexandre Desplat por Grand Budapest Hotel
Alex Ebert por A Most Violent Year
Rich Vreeland por It Follows
Hans Zimmer por Interstellar
The Duke of Burgundy e It Follows inspiram-se no cinema de terror dos anos 70. Duke vai buscar inspirações ao cinema italiano de outrora, criando um ambiente sonoro hipnótico e sedutor, enquanto It Follows inspira-se claramente no trabalho de John Carpenter, criando momentos de maravilhosa tensão, obtendo ao mesmo tempo um certo romantismo musical.
 Desplat continua a sua colaboração com Wes Anderson, obtendo aqui uma das suas melhores composições. O charme europeu e o absurdismo cómico do filme são maravilhosamente transpostos para o seu acompanhamento musical, tão necessário para a criação do peculiar tom do filme como os seus visuais característicos.
 Alex Ebert volta a colaborar com J.C. Chandor, criando um ambiente musical pesado cheio de melancolia e uma certa nostalgia. Os ritmos por vezes repetitivos têm um efeito quase hipnotizante no espetador, tornando o filme numa espécie de marcha urbana para uma tragédia inevitável.
 Hans Zimmer vai buscar muito a Philip Glass naquele que é, talvez, a sua melhor colaboração com Christopher Nolan. A música é tão forte e presente, que muitas vezes consome todos os outros sons do filme, incluindo o diálogo. A muitos isto irritou, mas para mim este tipo de dramatismo operático apenas exacerba o que na realidade é um épico sentimentalista com momentos fugazes de génio. A música durante a cena em que McConaughey vê os vídeos que foram enviados pelos seus filhos ao longo dos anos, é particularmente louvável, Aí, Zimmer deixa a intensidade diminuir, não tentando descaradamente manipular a audiência, mas mantendo o ambiente musical que é tão característico do filme.

Melhor Som

Adieux au Language 3D
The Babadook
Gone Girl
Heaven Knows What
Plemya

  Adieux au Language 3D está aqui pelo caos sonoro que consegue conjurar, sem perder, no entanto, a sua clareza ou sentido de humor. A cena na casa de banho é dos melhores exemplos do som como fonte de comédia. É inteligente ou sofisticado? Não. Mas é refrescantemente juvenil e despretensioso quando temos em consideração que o filme foi realizado por Jean-Luc Godard.

 The Babadook e Plemya usam o seu som para criar ambientes cheios de tensão e horror. O filme australiano vai pelo caminho do som que quase chega ao expressionismo. Exageros e ruídos de outros mundos perfeitamente realizados, de tal modo que ainda não consegui apagar da minha memória o horrendo som da criatura central ao filme a dizer o seu nome. O filme ucraniano segue um caminho mais naturalista, mas não menos impactante. Num filme sem diálogo, o som dos ambientes torna-se central, sendo que as cenas de repentina violência se tornam particularmente chocantes pelos sons produzidos num filme em que o próprio ambiente sonoro parece transmitir um tom de absoluta desolação.

 O som no filme de David Fincher é de especial relevância pelo modo como é usado para jogar com os vários níveis de realidade e ficção dentro do filme. Poucas vezes é o som usado de modo tão subjetivo e mutável como neste filme.

 Finalmente, em Heaven Knows What, o som parece uma mistura entre o usual som de pouca qualidade de filmes de baixo orçamento e um impulso quase impressionista no tratamento de som. A integração da música com os ruídos citadinos é de especial relevância, dando ao filme uma atmosfera quase sonâmbula.




 Há ainda alguns filmes de 2014 que não consegui ver. Pelo que estra lista pode vir a sofrer algumas atualizações no futuro.

Sem comentários:

Enviar um comentário