terça-feira, 25 de agosto de 2015

THE DISAPPEARANCE OF ELEANOR RIGBY (2013) de Ned Benson



 Com a disputada distribuição e edição de Snowpiercer e o que foi feito a este projeto de Ned Benson, a Weinstein Company parece estar a tornar-se cada vez mais infame, já não fosse a reputação que tem vindo a adquirir ao longo dos anos com as suas selváticas campanhas para os Óscares. Interessantemente, a distribuição deste filme não parece ter recebido tão mediática atenção como recebeu a do filme de Joon-ho Bong. Isto dever-se-á, sem dúvida, ao facto de que a reedição de The Dissapearance of Eleanor Rigby: Him e de The Dissapearance of Eleanor Rigby: Her em The Dissapearance of Eleanor Rigby: Them parece ter sido feita pelo seu próprio realizador, sem quaisquer polémicas. Apesar disto é, sem dúvida, uma tragédia de má distribuição que a maior parte das audiências mundiais terão primeiro visto Them, antes de poderem visionar Her e Him, tendo eu sofrido o mesmo tipo de experiência.

  Estes três filmes são, na verdade, versões diferentes do mesmo projeto, desenvolvendo-se os três à volta de um casal, Conor (James McAvoy) e Eleanor (Jessica Chastain), a lidarem, ou melhor a fugirem, de uma perda pessoal, de uma tragédia familiar. O título do filme deriva do desaparecimento de Eleanor no início dos três filmes, que se refugia na casa dos pais (Isabelle Huppert e William Hurt) para se ausentar da presença do seu marido, cujo comportamento, face ao evento que aconteceu antes do filme e que marca todo o comportamento dos protagonistas, a tem distanciado cada vez mais dele. Depois do seu desaparecimento observamos os dois membros do casal ora a fugirem ora a perseguirem o outro, dois humanos confusos e perdidos no seu próprio luto. Eleanor decide voltar a estudar, Conor vê os seus esforços para manter o seu restaurante caírem por terra na face do fracasso, e ambos veem-se mais próximos da sua família do que teriam estado em anos, especialmente Conor com o seu pai (Cirian Hinds).

 A originalidade deste drama vem do modo como Benson o desenvolveu em dois filmes diferentes, filmando-os sobre duas diferentes perspetivas dos mesmos eventos e da mesma relação. Him na perspetiva de Conor e Her na de Eleanor. E isto não se trata de apenas olhar momentos diferentes na vida deste casal que passa a maior parte do filme separado, mas também acaba por se revelar como sendo um exercício em olhar os mesmos acontecimentos de duas perspetivas subjetivas bastante diferentes, sendo que em certas ocasiões vemos uma cena revelar reações diferentes de cada um dos protagonistas em cada um dos filmes.

 Uma cena, num carro à chuva entre os dois, é particularmente interessante no modo como é diferente em ambas as versões. Em Her vemos muito mais arrependimento e vulnerabilidade de ambos os partidos, em Him observamos uma muito maior frieza e agressividade silenciosa da parte de ambos. O modo como cada filme olha o outro membro do casal é particularmente fascinante. Em Her, Conor parece sempre um intruso, uma presença perturbadora para este filme que tanto parece querer observar proximamente, mas reticentemente, Eleanor, chegando a níveis de intimidade psicológica conseguida a partir do simples trabalho de ator que Him nunca faz com o seu protagonista. Nesse outro filme, Eleanor aparece-nos quase como um espectro, uma cifra indecifrável, pondo-nos na mente de um marido que de repente parece não conseguir reconhecer a sua mulher. Numa cena perto do final do filme em que Conor acorda no seu apartamento com Eleanor a observá-lo, é particularmente marcante no modo como Eleanor parece aparecer e desaparecer como um fragmento da imaginação de Conor, como uma assombração do protagonista.

 Existem outros aspetos interessantes nesta divisão, passando especialmente pelo modo como Benson filma os seus atores, enchendo o filme de cenas em que a câmara parece seguir o protagonista ao longo de ruas, recusando-se a desviar o seu olhar examinador. Mas estes filmes não são apenas feitos de uma análise de perspetivas dentro de um casal, Benson almeja muito mais que isto, enchendo o filme de reflexões sobre diferentes relações intrafamiliares, sobre a natureza da perda e do modo como diferentes pessoas lidam com isso, sem contar com a personagem de Viola Davis, uma professora de Eleanor, cujo objetivo no filme parece ser o de oferecer uma reflexão cómica e abrasiva sobre várias das suas temáticas como o casamento, a maternidade, ou mesmo o modo como uma inteira geração privilegiada parece presa ao ensino superior como modo de adiar a responsabilidade adulta da vida fora da condição de estudante.

 Este é um projeto, obviamente, cheio de ambições temáticas e estruturais que, infelizmente, vai admitidamente cair em muitos lugares comuns e desinspirados na sua narrativa. Mas qualquer ambição ou sombra de complexidade acaba por desaparecer quando editada num terceiro filme. Um filme que parece destruir qualquer propósito artístico do projeto original. Them elimina qualquer jogo de perspetivas díspares, arrasa com grande parte da intimidade retratista que Benson consegue alcançar na criação psicológica dos seus personagens nos dois filmes originais. O que resulta disto é um filme em que tudo o que era interessante no projeto original de dois filmes é extinto, e em que os problemas desse mesmo projeto são exacerbados, ao focar o filme numa narrativa problemática, especialmente em termos de ritmo, e que está sempre a cair em clichés outrora disfarçados pelo jogo de perspetiva.

 Um dos maiores problemas desta terceira versão vem grandemente dos problemas estruturais originários na fusão de dois filmes baseados no ponto de vista subjetivo dos seus protagonistas. Them acaba por tender em grande parte para as versões apresentadas em Him, o menos interessante dos dois primeiros filmes, especialmente no princípio e no final do filme, com as cenas que marcavam a vida na casa dos pais e na faculdade, como a grande parte de Her que acaba nesta fusão. Isto origina uma problemática apresentação de Eleanor que vai aparecendo no seu registo distante nas cenas com Conor para imediatamente estar num registo bastante mais próximo e íntimo nas cenas longe deste. Na referida cena do carro à chuva, a falta de perspetivas diferentes é particularmente problemática. Temos assim um filme confuso com as suas próprias personagens, com a sua própria narrativa, e em que a fusão de dois filmes separados cria uma grande inconsistência, em que os picos de originalidade do projeto anterior são erradicados.

 Para além de salientar os problemas do argumento, o terceiro filme também oferece uma litania de problemas aos atores, especialmente a Chastain que adquire com esta terceira instalação uma inconsistência de tom e uma certa confusão de registos e psicologias que não estava presente em Her e em Him. Mesmo assim isto não disfarça a qualidade do trabalho da atriz, que é aqui luminosa, especialmente em Her, e que consegue representar uma mulher perdida, confundida com as suas próprias reações e que vive num estado de contrastes, querendo afastar-se do passado e da sua perda, mas ao mesmo tempo agarrando-se à sua tragédia pessoal, de um modo que Conor não faz de modo tão explícito ou visível, criando uma barreira entre os dois. McAvoy também é bastante bom, mas não chega aos píncaros de Chastain, mas este é um elenco bastante eficaz na generalidade, mesmo nos papéis mais diminutos como Nina Ariadna como uma empregada no restaurante de Conor, ou a já referida Viola Davis.

  Apesar dos problemas criados pelo guião, este é um projeto de grande ambição, cujo elenco justifica o investimento da audiência. Him e Her parecem prometer uma nova e interessante voz no cinema americano, cujas ideias visuais e técnicas ainda parecem um pouco básicas mas cuja ambição temática e estrutural é óbvia, apesar do seu papel chave na criação do incrivelmente medíocre Them, cujo visionamento deveria ser evitado por qualquer pessoa interessada na criatividade ou na visão prometida pelo projeto original de Benson.


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