domingo, 9 de agosto de 2015

TRAINWRECK (2015) de Judd Apatow



 O estado da comédia romântica (a rom-com) contemporânea é um motivo de grande tristeza para muitos cinéfilos, pelo menos é-o para mim. Na verdade, este tipo de consideração poderia ser feita em relação a grande parte da comédia mainstream, especialmente a de origem nos estúdios americanos. Por muito divertidas que alguns dos exemplos dos últimos anos possam ter sido, parece, usualmente, haver algo que as impede de serem mais que filmes engraçados. Onde vão os dias de génios da comédia como género de cinema de Howard Hawks ou mesmo dos Monty Python? Se bem que este é um tipo de raciocínio bastante perigoso por onde se entrar. Este tipo de comparação injusta para com o passado do meio, especialmente quando se fala de um filme agora mesmo nos cinemas. Não será melhor olhar o filme como uma obra do agora, válida por si só e não em comparação a uma herança histórica?

 Bem… penso que sim e que não. Por um lado olhar uma comédia assim requer uma certa adaptação e recalibração do olhar. Não há modo de examinar um filme de Judd Apatow como se examina um filme de Howard Hawks, mas ao mesmo tempo há considerações e comparações que penso serem importantes de se fazerem, sendo uma delas o primeiro ponto que quero fazer em relação a este novo filme de Apatow com um argumento da célebre Amy Schumer.

 Falo do ritmo do filme. Ritmo, sendo algo indispensável à comédia em qualquer meio, mas especialmente no cinema, onde praticamente tudo, desde o tempo de uma fala, de um silêncio, ao número de fotogramas de um plano de reação podem ser resumidos a uma manipulação do tempo e do ritmo. Os filmes de Apatow, e de Paul Feigg por exemplo, tendem a tratar a comédia em filme como prolongados exercícios de improvisação de atores, o que ritmicamente, resulta em filmes desmesuradamente longos para o enredo e personagens que em si incluem.

 Este filme, com cerca de duas horas, retrata Amy (Amy Schumer) uma mulher aparentemente promíscua e avessa a compromissos e a sua relação com Aaron (Bill Hader), um médico de atletas profissionais que conhece Amy quando esta o entrevista para um artigo da revista em que trabalha. Uma rom-som misturada com uma história de redenção da protagonista “descarrilada”, que pelo caminho inclui a sua relação com a irmã (Brie Larson) e com o pai (Colin Quinn), um velho miserável que vai se desvanecendo num lar de idosos ao longo do filme e que transmitiu a Amy grande parte das suas ideias sobre compromissos.

 É um enredo extremamente básico, sem grandes complexidades que se estende por duas horas, como já mencionei. Seria de esperar uma observação humorística das personagens coloridas com que Apatow e Schumer enchem este seu filme, mas o máximo que vemos destas figuras são superficialidades com intenções humorísticas, que, infelizmente, têm a tendência a não ter a piada que os seus criadores parecem pensar que têm. Não defendo que o filme necessitasse de um ênfase no desenvolvimento das suas personagens, mas a ênfase de Apatow nelas acaba por parecer meramente superficial quando nos apercebemos, perto do final do filme, quão pouca impressão tantas destas figuras fizeram.

  Grande parte deste problema provém do ritmo acima mencionado. Apatow parece, por um lado, tentar negar os ritmos dramáticos usadas em termos narrativos para estruturar as tradicionais rom-com. O seu olhar e atenção é muito mais disperso e errático, dando-nos algo que parece querer fugir estruturalmente da tradição cinemática em que se inclui. Eu poderia aceitar tal decisão se o seu resultado fosse algo mais agradável do que o que vejo aqui. Se este tipo de filme pretende maioritariamente ser uma fonte de entretenimento, então acho um pouco estranho o uso deste tipo de estrutura desajeitada da parte de Apatow, resultando num filme cheio de momentos mortos, e que, passado um bocado, não consegue evitar cair no tédio para o espetador.

 Tendo já falado no meu enorme problema com o ritmo do filme, há que falar, no que diz respeito somente a Apatow, no modo desleixado como o filme é filmado. Com as composições mais básicas imagináveis e com uma aparente aversão a aproveitar a presença dos seus atores, Apatow filma grande parte do filme em grandes planos sucessivos, nunca dando nem grande dinamismo ao filme nem grande possibilidade ao seu elenco de fazer algo mais com o argumento do que simplesmente dizer as falas e improvisar falas e conversas que se prolongam, sem qualquer disciplina estrutural da parte do realizador.

 Mas o trabalho de Apatow não é a única coisa neste filme que requer algumas palavras, pois este pode ser um filme de Apatow, mas também é invariavelmente um filme de Amy Schumer, a escritora e protagonista. A presença carismática e o humor de Schumer são, para mim, aquilo que mais vida e regozijo dá ao filme, sendo que, ao contrário de Apatow e o seu próprio texto, ela parece exercer um equilíbrio brilhante entre o mais lúrido humor e os momentos mais sérios do filme. Mas a presença de Schumer no filme traz consigo um número de expectativas a que o filme acaba por não corresponder.

 Quando vemos um filme, este jogo de expetativas é algo perigoso para o espetador. O facto do filme ser uma rom-com de Apatow cria logo uma série de expectativas, a presença de Schumer como argumentista e atriz principal, fazem o mesmo. O trabalho de Schumer fora do filme aponta para um humor feminista e desbocado, muitas vezes sem aparentes preocupações com a alienação da audiência. Fãs do seu programa, como eu, talvez esperem a sua subversão de papéis de género ou o modo abrasivo como trata a sua própria imagem, e assim se criam mais expectativas. Talvez, olhando para Schumer e para o género do filme, esperemos uma subversão dos estereótipos e fórmulas das comédias românticas sempre presas a uma perspetiva heteronormativa e monógama? Mas isto é um caminho injusto para o filme e para os seus autores.

 Com este filme, Schumer parece casar o seu humor de base em sketches televisivos, com as preocupações classicistas de uma comédia romântica. O lado moralista muitas vezes presente no cinema de Apatow também aqui se encontra, mas por vezes cortado com o humor de Schumer. O tom do filme é uma constante inconsistência, com momentos, por exemplo o início, a parecerem muito mais próximos da subversão usual de Schumer e vai apontando para uma exploração do ideal de monogamia e da vilificação de promiscuidade na cultura contemporânea heteronormativa, enquanto o final apela a uma relação romântica monógama como o ideal desenvolvimento para a vida da protagonista, o que parece trair grande parte do que anteriormente vimos da sua personalidade, como modo de criar uma fantasia para o seu parceiro romântico.

 Os impulsos de Schumer e Apatow estão em constante desconexão no filme. No princípio, o humor textual aponta a uma abordagem formal muito menos classicista que o que acontece na verdade, e no final, a estruturação de Apatow parece pedir um desenvolvimento textual das suas figuras bastante diferente do que realmente aconteceu no guião do filme.

 Nada disto, no entanto, impede o filme de muitas vezes alcançar momentos de grande humor e divertimento, em grande parte devido a um maravilhoso elenco que vai desde figuras como Tilda Switnon a LeBron James. Gostaria de, principalmente, salientar o trabalho de Brie Larson e Amy Schumer no seu trabalho em Trainwreck, onde conseguem alcançar um registo cómico ao mesmo tempo apropriado aos momentos mais crus e abrasivos do guião sem prejudicarem o olhar vago e disperso de Apatow, e ao mesmo tempo registando uma delicadeza estranha nas suas reações e momentos dramáticos.

 É um filme, como já disse, divertido que eu acabaria, sem dúvida, por recomendar a outros que não eu. O humor de Schumer consegue ir emergindo por entre o olhar entediante e moralista de Apatow, e o filme acaba por despertar discussões interessantes, devido grandemente às expectativas acima discutidas e mesmo ao texto de Schumer que por vezes parece ir encontrando alguma da acidez que tanto a tornou popular no panorama da comédia contemporânea.


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