sexta-feira, 25 de setembro de 2015

LOST RIVER (2014) de Ryan Gosling



 David Lynch, Nicolas Winding Refn, Dario Argento, Terrence Malick, Ryan Gosling. Um destes nomes não parece pertencer aos restantes e certamente não é o de nenhum dos ilustres realizadores com estilos imensamente definidos e filmografias celebradas mas sim o ator aclamado pela crítica que, com O Rio Perdido, decidiu experimentar a sua mão na área da realização e escrita. Uma coisa há que, no entanto, reconhecer em Gosling e isso será o seu gosto cinematográfico que obviamente inclui os nomes acima referidos, e que o ator, tornado aspirante a autor, usa como influências na criação deste filme que, mais que um filme que existe por si só, é uma colagem desajeitada e caótica de coisas que Gosling viu nos filmes desses autores e decidiu emular, senão descaradamente copiar.

 Filmado em Detroit, o filme desenvolve-se a partir de uma narrativa à volta de uma família em que a mãe solteira Billy (Christina Hendricks) é encurralada pelas demandas de um banco, e vê-se envolvida numa espécie de cabaret do macabro em que as performers sofrem horrendos e miraculosamente falsos atos em palco. O filho mais velho, Bones (Iain De Caestecker) vê-se envolvido numa trama com o pseudo gangster Bully (Matt Smith),que domina as ruas vazias da cidade decadente. Pelo meio temos a sua vizinha e namorada Rat (Saoirse Ronan), acabando por descobrir um submundo escondido nas águas do rio do título, e o homem por detrás da situação depressiva de Billy, o manipulador e traiçoeiro Dave (Bem Mendelsohn) que, para além de colocar a protagonista em dependência da sua ajuda monetária, é o dono do clube de macabro em que ela se vê forçada a trabalhar.

 Grande parte do problema do filme devém do facto de Gosling não ter qualquer interesse em explorar o seu texto de modo algum, apenas estando focado em copiar técnicas e momentos de mestres que ele admira. O que resulta disto não é um pastiche sofisticadamente bombástico como vemos em Tarantino, ou mesmo a irreverência juvenil de Dolan, mas sim um caos desajeitado e imensamente pretensioso. O filme apenas vive como um exercício estético mas nem isso é possível de completamente apreciar, em parte pela dependência de Gosling ao convencionalismo de uma narrativa. Como experimentalismo o filme é um fracasso medíocre, como narrativa, o filme é uma catástrofe.

 Ao contrário de muitos atores tornados realizadores, Gosling parece demonstrar uma colossal falta de interesse em explorar o trabalho dos humanos para os quais aponta a câmara, sendo que as figuras femininas são particularmente menosprezadas pelo seu olhar. Hendricks, que deveria, de certo modo, ser o centro de toda esta confusão, é pouco mais que uma imagem bonita que Gosling vai desfilando por uma coleção de magnificamente iluminados cenários. O seu interesse na atriz nada tem que ver com as suas capacidades interpretativas ou mesmo com a sua mera presença, sendo mais cosmética que qualquer outra coisa. Sob o olhar da câmara de Gosling, Hendricks é um corpo voluptuoso de pele pálida, adornado por fogosos cabelos, e que, de vez em quando, Gosling pode utilizar para chorar ou ser uma superficial vítima dos impulsos mais macabros que ele transplantou das filmografias de Lynch e Argento.

 Mas, paradoxalmente a esta falta de interesse no seu trabalho, o realizador parece dar uma liberdade absolutamente desmedida ao seu elenco, sendo que Mendelsohn e Smith em particular parecem cair num turbilhão de tiques, maneirismos e momentos de exagero extremo e descontrolado sem nunca parecerem contribuir nada ao filme. Isto é particularmente trágico no caso de Mendelsohn, cujo papel requer muito mais modulação que o monstro urbano de Smith, e cuja usual precisão e silenciosa ameaça estão aqui em completa absência.

  O modo como Detroit é utilizada pelo aspirante a autor, é de particular repugnância. Enquanto certos momentos do seu texto parecem indicar a alguma sombra de exploração de miséria social, Gosling mostra-se completamente enamorado por uma ideia glorificadora e infinitamente romântica da pobreza e condição desesperada das suas personagens. O mundo em ruínas é tornado vazio objeto estético, filmado com um estilo exuberante mas sem propósito. E a pura beleza vazia poderia ser um propósito, como Paolo Sorrentino já mostrou na sua filmografia, mas a Gosling parece faltar até esse tipo de foco ou motivação. O filme vai vagueando pelas suas visões sem nexo, e mostrando a teatralidade da miséria humana, que aqui é puramente desumana e desinteressante e desinspirada na sua abjeta artificialidade, que parece mais forçada pelas influências de Gosling do que uma escolha deliberada e refletida pelo realizador da obra.

 Mas nem tudo no filme é a catástrofe que a direção e o texto conseguem ser. Tecnicamente o filme é formidável, copiando tudo de outros autores, mas fazendo-o de modo requintado e eficiente. A fotografia é magnífica, conseguindo encontrar momentos de extasiante beleza, mesmo nos momentos mais tristemente convencionais na mise-en-scène de Gosling. Uma casa em chamas consegue ser hipnótica, não pelo trabalho do realizador, mas porque há uma simples beleza na imagética que transcende o seu contexto ou mesmo os ritmos impostos pela desastrosa montagem. A música e a cenografia são igualmente magníficos, se bem que extremamente óbvias nas suas origens referenciais. O filme não conseguia copiar mais de Dario Argento e de Suspiria em particular, sem se tornar num remake do estilo de Psycho de Gus Van Sant.

 Num momento singular em todo o filme, no exterior de uma estação de serviço, vemos Bully a ser confrontado por uma mulher sem-abrigo. Na realidade uma mulher que andava pelos locais de filmagem e foi inserida no filme. Há algo de energético e palpavelmente errático e surpreendente nestes momentos. Matt Smith é. Por momentos, forçado a modular os seus excessos e também Gosling parece tornar-se em observador do momento, sem cobrir tudo com técnicas de outros autores. Aqui o filme pausa, aqui o filme atinge um momento de fugaz experimentação. Por momentos a afetada direção de Gosling acalma-se e observamos o vislumbre do que este filme poderia ter sido se o realizador tivesse sido mais seguro ou mais desprendido dos seus ícones cinematográficos. Como o filme existe, é uma pueril colagem de outros filmes, sem nexo, interesse, ou originalidade, uma entediante, irritante, mas ocasionalmente bela experiência e uma prova que Ryan Gosling se deveria restringir a trabalhar em ator quando confrontado com um projeto cinematográfico. 

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