sexta-feira, 4 de setembro de 2015

SHAUN THE SHEEP MOVIE (2015) de Mark Burton e Richard Starzak



 Os estúdios Aardman têm ganho uma reputação invejável como a fonte de alguma da melhor animação stop motion no panorama do cinema de animação contemporâneo em que a criação digital parece esmagar qualquer outra técnica menos computorizada. A claymation destes estúdios não foi usada nos seus últimos dois esforços cinemáticos, o encantador Arthur Christmas e o desastre Flushed Away, mas tem-se fazendo sentir no que é uma das suas criações de maior sucesso, especialmente com o seu público. Falo da versão televisiva da chamada Ovelha Choné, que neste filme é transposta para o cinema sem perder o charme e gentileza que caracterizam o seu apelo e sucesso na televisão.

 O primeiro filme dos estúdios a não ser uma coprodução, segue o mesmo tipo de linguagem que o seu predecessor do pequeno ecrã, não incluindo qualquer diálogo no que é um filme com uma narrativa e enredo extremamente simples e fácil de percecionar e compreender. Shawn, o protagonista e a ovelha choné do título em português, é o líder de facto de um grupo de oito ovelhas na quinta Mossy Bottom, onde vivem, entre outros, com o seu Fazendeiro e o cão pastor de nome Bitzer. No início do filme, vemos imagens de um passado risonho e solarengo agora substituído por uma rotina entediante tanto na vida dos animais como do seu dono e companheiro humano, pelo que o protagonista organiza um dos seus usuais e ridículos estratagemas para obter um dia de folga na rotina, depois de inspirado por um anúncio exposto num autocarro. O plano acaba por dar para o torto e as ovelhas e Bitzer acabam por se aventurar pela cidade em busca do Fazendeiro perdido e amnésico, tornado barbeiro celebridade devido ao tipo de consequencialidade irracional típica das desventuras da ovelha protagonista.

 O tom humorístico e leve do filme é intrinsecamente dependente do design e da animação do filme. Linhas suaves e redondas, típicas dos filmes do estúdio, e personagens simples mas incrivelmente expressivas e distintas. O modo como as ovelhas são facilmente diferenciadas e que uma personalidade individual se consegue verificar na animação de cada uma, é de particular louvor, sendo que os elementos básicos do seu desenho são comuns a todas as oito figuras, com a possível exceção de Timmy, uma adorável ovelha bebé e a verdadeira estrela do filme se descontarmos o protagonista. O humor conseguido a partir da simples pantomima é delicioso, fazendo, por momentos, lembrar os mestres da comédia do cinema mudo americano ou mesmo Jacques Tati.

 A expressividade simples e delicada dos visuais é acompanhada por um tom bastante gentil e confortante, em que o conflito e perigo que o enredo oferece como obstáculo aos heróis nunca é apesentado com a intensidade que poderia causar qualquer receio. É um filme alegre e fácil de ver e adorar, uma experiência simples e com um charme bastante distinto da maioria da animação atual. A delicadeza e gentileza com que o filme aborda as personagens, e o afeto que concede a todas as figuras em si inseridas faz com que até os mais crassos momentos de humor funcionem. O filme conseguiu fazer-me rir de uma piada visual centrada na suposta flatulência da figura de um cavalo, e isso não é tarefa fácil para alguém com um ódio imenso a tal humor.

  Essa atmosfera de gentileza é grandemente devida à falta de diálogo e uso de pantomima, mas também ao uso de som que, aí certamente relembrando Tati, está cheio de ruídos ambiente e pontuações de som humorísticas que apoiam a comédia sem a arrebatarem ou distraírem. O mesmo não se poderá, infelizmente, dizer das músicas que vão aparecendo pelo filme cujas letras não poderiam ser mais óbvias ou descaradas. A própria presença da palavra inserida nessas canções é uma distração e rutura desnecessárias para o filme. Junte-se isto a algumas referências de cultura popular que parecem pertencer a um filme da Dreamworks e não a uma obra da Aardman e temos alguns pequenos problemas, cujo impacto no filme é, no entanto, irritantemente grande.

 Shaun the Sheep Movie é um ótimo filme de animação familiar longe das complexidades emocionais de outras obras de animação deste ano mas não por isso menos charmoso ou encantador. Há algo de reconfortante na simplicidade e relativa falta de ambição do projeto. Uma delícia ligeira confecionada com um virtuosismo magistral numa técnica, cuja visibilidade tem vindo a desaparecer com o apogeu da animação digital. E talvez principalmente por esta última razão, eu não consiga de modo algum resistir aos encantos do filme e adorá-lo apesar de alguns problemas cruciais que anteriormente referi.


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