sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

BROOKLYN (2015) de John Crowley




Quando em 2007, Expiação estreou, trouxe consigo o que parecia ser uma preciosa descoberta de um novo e jovem prodígio, a atriz Saoirse Ronan. Então com somente 12 anos, a atriz recebeu aclamação internacional pelo seu formidável trabalho e até chegou mesmo a arrecadar uma indicação ao Óscar de Melhor Atriz Secundária. Depois dessa estrondosa entrada no panorama do cinema mundial, Ronan, infelizmente, pareceu andar um pouco perdida durante vários anos. As suas tentativas de recapturar o sucesso e respeitabilidade luminosa de Expiação pareciam sempre cair em desastre ou na ignorância do público e os seus melhores trabalhos constantemente acabavam por ser esquecidos ou injustamente ignorados. Em 2015, a promessa de génio que o drama de guerra de John Wright fez finalmente pareceu pagar dividendos e Saoirse Ronan é uma das principais candidatas ao Óscar de Melhor Atriz pela sua prestação num filme que não poderia ser mais um glorioso star vehicle ao estilo dos mais deliciosos women’s pictures da Hollywood de outrora, Brooklyn de John Crowley.

Ronan é um poço de carisma ao estilo da velha Hollywood, sendo que o seu trabalho funciona perfeitamente na sua modulação de emoções fortes e simples telegrafadas de modo claro mas belissimamente delicado. Aliás, toda a prestação da atriz é caracterizada por uma formidável delicadeza mesclada com uma estilização de maneirismos apropriados à localização histórica da narrativa. Uma mistura da simplicidade apelativa dos clássicos da velha Hollywood com a subtileza expressiva de estilos mais atuais, esta é uma performance de louvar que, infelizmente, é bastante limitada por algumas das imposições do texto.




Já explorei a performance da atriz principal, mas ainda nem sequer nomeei a personagem sob a sua responsabilidade. O filme desenvolve-se à volta de Eilis, uma jovem rapariga irlandesa que, em 1952, imigra da Irlanda para Nova Iorque e começa uma nova vida em Brooklyn, longe da miséria de uma nação a viver sob a sombra do pós-guerra. Na sua nova nação, vemos a protagonista desabrochar especialmente quando inicia uma relação romântica com Tony (Emory Cohen), um jovem italo-americano com especial afeição por raparigas irlandesas. A partir daí, o filme torna-se num dos mais deliciosos romances do ano, transpirando romantismo tingido com a doçura da mais rarefeita nostalgia cinematográfica dos últimos tempos. No entanto, uma inesperada tragédia familiar leva a protagonista a voltar à Irlanda, no que começa por ser uma estadia decididamente temporária, mas que vai ameaçando tornar-se permanente. Brooklyn acaba por cair num triângulo amoroso ao incluir Jim (Domhnall Gleeson), sem, no entanto, alguma vez perder o seu foco na experiência de uma jovem emigrante, apesar de uma estranha falta de autonomia da sua parte.

Uma das mais significantes fragilidades do filme é, aliás, o modo como nunca permite que as decisões da sua protagonista sejam expressas de modo orgânico, estando sempre a forçar mecanismos narrativos para avançar mais facilmente o enredo. Não sei se isso é uma consequência do livro de Nick Hornby, ou se é um fruto da sua adaptação, mas o facto é que este elemento se revela como um os maiores problemas de Brooklyn enquanto filme.




Em termos estilísticos o filme deve muito às convenções do cinema clássico americano, sendo quase uma homenagem tal é a sua dependência de mecanismos meio antiquados. Há algo de charmoso no seu tradicionalismo, especialmente em momentos como uma melancólica noite de Natal. A recriação dos ambientes de época acompanhados pela música romântica e a fotografia atraente são imensamente apelativas quando bem utilizadas, sendo que os figurinos de Odile Dicks-Mireauz também são de destaque, nomeadamente no seu uso de cor para marcar a evolução da protagonista e na sua composição dos ambientes urbanos da Nova Iorque da época.

O filme, para ser honesto, triunfa na secção passada em Nova Iorque, quando o seu uso de nostalgia cinematográfica se converte como que numa doce exteriorização do isolamento e evolução emocional da sua protagonista. Nas secções do filme passadas na Irlanda, esses mesmos estilos parecem deixar de ser uma eficiente homenagem aos classicismos de uma Hollywood de outros tempos e apenas aparentam converter-se numa desajeitada reciclagem de mecanismos narrativos e cinematográficos que não parecem estar completamente dominados pelos cineastas aqui em ação.




Isto não impede o filme de ser uma obra de delicioso romantismo, mas, juntamente com algumas das suas limitações textuais, decerto que impede Brooklyn de ser o absoluto triunfo de convencionalismo bem aplicado que poderia ter sido. A ajudar o seu relativo sucesso está, há que apontar, o seu formidável elenco que não se reduz simplesmente à sua luminosa protagonista.

Uma das grandes injustiças nas nomeações dos SAG deste ano foi, pelo menos para mim, a  falta de menção deste filme, tendo em conta a estonteante riqueza da sua coleção de atores. Até as mais pequenas personagens são concretizadas com admirável vivência e colorida expressividade, desde uma inspiradora companheira de viagem de Eilis, passando por todo o elenco irlandês, e culminando nos ambientes nova-iorquino povoados de personagens que são tão bem apresentadas e concretizadas que poderiam ter filmes focados nelas mesmas.




De todo o elenco, contando com Ronan, há uma figura de incontornável destaque. Falo de Emory Cohen como o principal interesse romântico do filme, Tony. Os trabalhos passados do ator nunca me deixaram com uma impressão particularmente positiva dos seus talentos, mas em Brooklyn, a sua prestação é perfeitamente miraculosa. Poucas vezes vi uma personalidade introvertida ser exposta com tanta mestria e humanidade, nunca descurando, no entanto, o encantador charme necessário para fazer o enredo romântico funcionar como principal força propulsora de grande parte da narrativa de Brooklyn. As cenas partilhadas entre Cohen e Ronan são aliás os mais deliciosos momentos do filme, brilhando com a qualidade de estrela de ambos os atores e transpirando de um tipo de romance clássico que poucas vezes se encontra no cinema atual concretizado com tal sinceridade.


No final, Brooklyn é um filme que está longe de ser perfeito e que tem na sua maior qualidade também o seu maior defeito, sendo que o filme encontra glória no seu tradicionalismo na mesma medida que acaba por cair num registo tristemente prosaico quando parece poder alcançar verdadeiras maravilhas se arriscasse um pouco e não se limitasse tanto. No entanto, para os grandes fãs dos romances clássicos de Hollywood, esta é uma obra essencial e deliciosa. Visto que eu sou precisamente um fã desse tipo de cinema, há que admitir que me deixei apaixonar completamente pelos charmes deste simples filme, por muito que reconheça as suas fragilidades.´



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