sábado, 9 de janeiro de 2016

FYC, Cate Blanchett em CINDERELLA


Cate Blanchett Cinderela


2015 tem sido um ano explosivo para Cate Blanchett. Logo em janeiro, Cavaleiro de Copas estreou no festival de Berlim, marcando a primeira colaboração entre a atriz australiana e um dos mais importantes autores do cinema contemporâneo. Em outubro, os eruditos dos Óscares apenas pareciam ter uma dúvida em relação à grandiosidade de Blanchett e era sobre que interpretação iria cair a graça da academia? O drama factual e politicamente incendiário Truth, ou o apaixonante romance Carol? Entretanto essa questão foi respondida, e o seu trabalho no filme de Todd Haynes parece ter garantido a presença da atriz nas nomeadas deste ano. Junte-se a esta enchente de formidáveis filmes, a recente coroação de Blanchett como a Melhor Atriz de 2013, e parece que a atriz se está a tornar numa força imparável ao estilo de Meryl Streep. Apesar de todo este prestígio autoral e prestigioso, não é sobre nenhum dos filmes anteriormente referidos que aqui quero falar, mas sim sobre Cinderella.

Comparado com os seus papéis em Cavaleiro de Copas, Truth e Carol, o seu trabalho como Lady Tremine, a maldosa madrasta de Cinderella poderá parecer algo menor, ou esquecível, mas, pessoalmente, penso que é uma incontornável injustiça que Cate Blanchett esteja completamente excluída da conversa para o Óscar de Melhor Atriz Secundária. Poucas vezes a atriz foi tão deliciosamente estilizada e paradoxalmente humana, sem nunca deixar o seu trabalho ofuscar de modo prejudicial o filme em que se encontra. De todos os trabalhos da atriz, junta-se talvez a O Talentoso Mr. Ripley, como uma perfeita junção de técnica, carisma, estilo, artifício, sinceridade e puro divertimento na filmografia da atriz.


Cate Blanchett Cinderela


Seria erróneo falar de Cate Blanchett em Cinderella sem mencionar o trabalho de Sandy Powell (talvez chegue a fazer um post sobre os figurinos). Vestida com os seus esplendorosos figurinos, a atriz torna-se uma versão da madrasta apimentada com um glamour da Hollywood passada. A sua silhueta e pose são as de Joan Crawford no seu mais ensandecido e elegante registo, como seria apropriado para a sua imagem concebida por Powell, e os seus movimentos acompanham a estilização sugerida pelos figurinos. Estamos num ambiente de conto de fadas, onde a lógica visual parece seguir regras de filmes de animação, sendo que a atriz, ao invés de lutar contra estes exageros e simplicismos, trabalha com eles e cria uma construção final consistente e deliciosa na sua malvadez de cartoon.

Basta olhar-se para a sequência do baile para reparar na estilização exuberante no trabalho de Blanchett, que parece uma extensão humana da opulência visual que a rodeia. Também aqui é impossível ignorar os talentos cómicos da atriz, que poucas vezes teve a oportunidade de trabalhar num registo tão exageradamente expressivo. Mas, apesar de todos estes floreados elogios, Blanchett nunca se deixa tornar num inofensivo e distante cartoon de ridícula vilania.




Lady Tremine entra no filme de Kenneth Branagh como uma viúva glamourosa, e, como  a narradora indica, ela veste muito bem a sua perda. O mesmo se pode dizer de Blanchett que veste a dolorosa humanidade da sua personagem como mais uma das suas elegantes indumentárias. A acompanhar e complementar a estilização, há sempre a sombra de uma mulher que amava o primeiro marido e se encontrou a casar com um homem que a coloca permanentemente na sombra tanto da sua falecida primeira esposa como da sua filha. Há um amargo ressentimento no olhar de Tremine, uma sugestão de vulnerabilidade disfarçada pelo veneno maldoso dos seus atos.

Apesar de estilizada, a madrasta de Ella é palpavelmente humana ao mesmo tempo que é uma vilã digna de cartoon, o que a faz imensamente mais perigosa que se simplesmente fosse unicamente uma caricatura distante. Tudo isso é perfeitamente visível na grande confrontação entre a vilã e a protagonista no sótão de sua casa, onde a vilania de Tremine é oferecida em toda a sua grandiosa mesquinhez e perigosa humanidade. Não vilão mais assustador que aquele que conseguimos imaginar no nosso mundo, e Blanchett cria o equilíbrio perfeito entre a fantasia e o lado mais humano do filme e da sua personagem.





Infelizmente para esta estrela australiana, as associações de prémios poucas vezes têm paciência para interpretações deste tipo em filmes tão leves e abertamente juvenis como Cinderella. Talvez se Blanchett fosse um homem e tivesse uma narrativa meio sofredora (Johnny Depp em 2003) esta interpretação ganhasse algum reconhecimento na Awards Season. Como tal não acontece, acho que não vale a pena ter grandes esperanças. Mesmo assim, há que celebrar este trabalho, e recordar a Lady Tremine de Cate Blanchett como uma das mais formidáveis presenças que agraciaram os ecrãs de cinema em 2015. Viva a magnífica Cate!




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