terça-feira, 5 de janeiro de 2016

INSIDE OUT (2015) de Pete Docter


Inside Out Divertida-Mente


Finalmente, depois de alguns anos de projetos a aproximarem-se perigosamente do abismo da mediocridade, ou a se atirarem para as profundezas do abjeto fracasso como no caso de Carros 2, a Pixar finalmente parece ter voltado à glória que no passado tanto caracterizou o estúdio. O filme que trouxe esta revitalização artística é, há que dizer, um dos seus mais ambiciosos desde a sua génese, sendo que é, essencialmente, uma metáfora prolongada por 102 minutos sobre a complicada maturação emocional de uma pré-adolescente cujos protagonistas são ideias abstratas personificadas. Sim, Inside Out é um filme que não tem falta de ambição.

Um dos grandes desafios de Inside Out é aliás, o modo como é formado por duas narrativas simbioticamente interligadas mas imensamente distintas, tanto em tom como em abordagem estilística. Um desses fios narrativos retrata a história de Riley, uma jovem americana que se vê numa crise emocional depois da sua família se mudar para São francisco, onde a protagonista não conhece ninguém e onde a solidão e tristeza começam a tomar a melhor do seu usual otimismo. A outra metade do filme é uma representação simbólica da viagem emocional de Riley, passada no centro de operações da sua mente, onde as suas cinco principais emoções a comandam como pilotos de um monumental mecanismo. Esta equipa é formada por Disgust/Repulsa (Mindy Kaling), Fear/Medo (Bill Hader), Anger/Raiva (Lewis Black), Sadness/Tristeza (Phyllis Smith) e Joy/Alegria (Amy Phoeler) que, desde o nascimento de Riley, tem comandado a sua mente com um sorridente punho de ferro.


Inside Out Divertida-Mente


Phoeler é, aliás, uma escolha perfeitamente formidável para esta personificação da alegria, encontrando o perfeito balanço entre a simplicidade bidimensional necessária para que a personagem funcione como a antropomorfização de pura emoção, e a complexidade essencial para que Joy seja uma das protagonistas mais interessantes e perfeitamente construídas em todo o universo da Pixar. Não que o resto do elenco original não seja igualmente extraordinário, sendo que Logan, no que é essencialmente um papel de coprotagonista, é tão fantástica como Phoeler se bem que num registo colossalmente diferente.

Como disse, Joy e Sadness são as verdadeiras coprotagonistas de Inside Out, sendo que a maioria da narrativa se desenvolve em volta da desenfreada corrida contra o tempo que as duas emoções têm de enfrentar para voltarem ao centro de operações a seguir a um desastroso acidente. Basicamente, Inside Out pega no terceiro ato da maioria dos filmes da Pixar, a desinteressante perseguição cheia de ação que resolve os complicados conflitos do enredo, que sempre foi a pior parte da usual fórmula do estúdio, e estende-o ao tamanho de um inteiro filme. O melhor de tudo é que isto funciona quase perfeitamente, sendo que este filme tem um dos mais formidáveis guiões na história do estúdio.


Inside Out Divertida-Mente


Parte dessa glória narrativa devém da clara influência de Pete Docter, o mais emocionalmente maturo e aventuroso de todos os realizadores da Pixar, que ajuda este filme a se afirmar como um dos seus mais ousados a um nível narrativo e conceptual. Não que tudo isto seja um simples exercício intelectual, pois Inside Out contém em si uma avassaladora carga emocional. A final resolução, uma surpreendente celebração e defesa da necessidade de sentimentos negativas e complexidade emocional como parte do processo de crescimento, é uma das mais merecidamente lacrimosas na recente história do cinema de animação. E isto tudo, sem sequer mencionar Bing Bong, uma potente surpresa que eu não quero estragar a quem não tenha visto esta formidável explosão de criatividade.

Tal criatividade e impetuosidade conceptual estendem-se também ao design deste mundo, cheio de imagens tão inesquecíveis como inteligentes na sua carga simbólica. A ideia de fazer as emoções serem construídas por inúmeras partículas luminosas é particularmente admirável, assim como o visual de um inferno de desolação onde o esquecimento condena memórias velhas à inexistência. A própria escolha das cores na representação das memórias e das emoções é o trabalho de puro génio, jogando com combinações de cores, ora agradáveis ora repelentes como meio de facilmente traduzir à audiência que uma mente completamente dominada por raiva, repulsa e medo não será particularmente saudável.


Inside Out Divertida-Mente


Mas Inside Out não é apenas uma proeza de complexa melancolia, sendo que é, na verdade, uma das mais hilariantes comédias do ano cheia de pequenos detalhes como o jornal lido diariamente por Anger ou alguns dos mais ridículos pormenores do funcionamento da mente de Riley. Nenhuma sequência este ano, por exemplo, consegue superar o milagre de animação que é a cena passada na zona proibida do pensamento abstrato, um momento tão tecnicamente estonteante quão divertido. Num registo menos ambicioso, o vislumbre da mente de um gato é provavelmente o singular momento que mais riso e alegria me despertou em toda a luminosa filmografia da Pixar.


No final Inside Out é uma preciosa raridade no panorama contemporâneo do cinema supostamente feito para audiências juvenis, sendo uma gloriosa celebração da empatia humana e uma ode à complexidade emocional que parece amedrontar mesmo os mais adultos filmes a serem produzidos pela Hollywood atual. O filme torna dores de crescimento numa das mais espetaculares viagens emocionais do ano, revelando-se como uma obra essencial para qualquer cinéfilo, rica em inteligente complexidade mas completamente acessível assim como uma peça de maravilhoso entretenimento.


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