segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Oscar Hopefuls, Sandy Powell por CINDERELA




Sandy Powell é uma lenda viva, um génio absoluto do desenho de figurinos. Mesmo quando o seu trabalho deixa um pouco a desejar como em The Other Boleyn Girl, há sempre algo de interessante nas suas criações, nem que seja o seu primoroso uso de tecidos, cores e padrões. Este ano, a figurinista britânica poderá ser nomeada por dois filmes, algo que já lhe aconteceu em 1998, quando foi nomeada por Shakespeare in Love e Velvet Goldmine. Os filmes de que falo neste caso são Carol, mais uma das gloriosas colaborações desta figurinista com Todd Haynes, e talvez o seu mais opulente e dispendioso trabalho até à data, a nova versão de Cinderela da Disney.





Powell começou a sua carreira nos palcos ingleses, sendo que a sua primeira aventura pelo mundo do cinema veio com Caravaggio de Derek Jarman. Durante os anos que se seguiram a esse filme de 1986, Powell continuou a trabalhar maioritariamente com esse visionário do cinema avant-garde inglês. Infelizmente, Jarman morreu em 1994, sendo que o seu último filme, Blue nem sequer precisou do trabalho de uma figurinista, sendo que era composto por apenas som sobre um ecrã em azul. Entretanto, Powell havia começado a trabalhar com outros autores, mas sempre num registo bastante mais ousado e artístico do que seria de esperar para uma artista com tão grande gosto por visões de ensandecida opulência.




A sua primeira nomeação para os Óscares veio com o seu trabalho em Orlando, uma adaptação do complicado clássico de Virginia Woolf. O filme de Sally Potter tem uma narrativa que se estende por vários séculos, permitindo a Powell uma maravilhosa criação de diversos visuais estilizados que vão desde uma visão exuberante e enlutada do período isabelino tardio até à contemporaneidade. Não foi esta no entanto, a grande entrada de Powell em Hollywood e no mundo dos grandes estúdios, tal coisa apenas aconteceu com Entrevista com um Vampiro, outra narrativa que engloba diversos períodos devido à imortalidade dos seus protagonistas. A partir daí, a filmografia de Powell tem sido um encadeamento de filmes que, mesmo quando não são grandes obras de cinema, têm sempre fascinantes e maravilhosos figurinos. Desde a morte de Jarman, dois autores têm mantido uma colaboração muito próxima com Powell, Todd Haynes e Martin Scorsese.




Como já disse, é provável que Sandy Powell oiça o seu nome por duas vezes no anúncio das nomeações aos Óscares, mas não estamos aqui para falar do romance de Todd Haynes, mas sim da fantasia realizada por Kenneth Branagh.

Em Cinderela, nenhum limite de orçamento se terá abatido sobre a visão de Sandy Powell e tal é claramente visível na explosão de luxo que caracteriza todo o guarda-roupa deste filme. Desde os primeiros momentos do filme, quando a narrativa se foca na jovem Cinderela e na sua bucólica vida com os seus pais, conseguimos ver o toque característico de Sandy Powell. Imediatamente reparamos que os figurinos são uma mistura de inspiração de várias épocas históricas, nomeadamente o século XIX, e que, como é comum no trabalho de Powell, o uso de cor e padrão toma uma posição de destaque. Ella e sua mãe vestem roupas imensamente semelhantes, criando imediatamente uma forte ligação visual e emocional entre as duas, com suaves padrões florais num registo naturalista a caracterizarem ambas as figuras.





Algo que se torna claro, tanto pelo texto como pelos figurinos, é que este filme forma uma ligação intrínseca entre a natureza e a bondade, como é, aliás, comum na maioria das histórias das princesas da Disney. Azuis e verdes dominam a família de Ella, que quase parece ser um jardim em forma humano quando examinamos os motivos decorativos e cromáticos dos seus figurinos. Nada disto é particularmente complexo, mas segue uma lógica bastante próxima do desenho de personagens em filmes de animação, uma linha racional que se vai prolongar pelo resto do filme.




Com a passagem do tempo e a trágica morte da mãe de Ella, acabamos por encontrar a nossa protagonista e seu pai num registo bastante menos jovial e bucólico que nas primeiras cenas do filme. O figurino de Ella continua a apresentar a mesma silhueta básica da sua mãe, uma espécie de mistura entre estilos oitocentistas com as modas de inspiração campestre do século XVIII. O padrão floral, é substituído por um subtil motivo floral na sai do seu vestido azul, uma cor imensamente ligada, durante todo o filme, à felicidade da protagonista e aos valores familiares e românticos. O seu pai, vê os seus verdes e azuis ganharem uma negrura e profundidade muito menos leve que outrora, em tecidos mais pesados como veludos.




É então que entra na narrativa a mais esplendorosa das suas figuras, a madrasta de Ella, Lady Tremine. Cate Blanchett raramente esteve mais glamourosa que este ano, em Carol e Cinderela. Como a antagonista deste filme, Blanchett é uma visão de luxo ao estilo da Hollywood dos anos 40. Com a sua rígida silhueta, acentuada por chumaços nos ombros, a atriz australiana parece uma Joan Crawford renascida. A maioria dos seus figurinos mantém exatamente a mesma silhueta, apenas apresentando algumas variações de cor, acessórios e outros detalhes, como se de um modelo de um cartoon se tratasse, em que uma personagem é praticamente sempre desenhada com a mesma silhueta básica.




O seu primeiro figurino é uma boa indicação de todas as roupas que se irão seguir. Motivos vegetais num registo imensamente artificial decoram um conjunto em vários tons de acídicos verdes. Tremine está longe de ser o doce jardim de conto-de-fadas em forma humana que foi a mãe de Ella, sendo que esta madrasta é uma visão de luxo descarado, gritantemente nouveau riche. A deliciosamente complementar este visual, está um gloriosa chapéu e um detalhado par de botas que repetem os motivos estilizados e florais do resto do traje.





As suas duas filhas, ao contrário de serem fisicamente repugnantes como é habitual, têm a manifestação visual da sua mesquinhez contida nos seus figurinos. As suas roupas são berrantes e características de um horrendo gosto. Caracterizadas por estarem sempre vestidas em conjuntos idênticos, as duas irmãs são somente distinguidas por duas paletas cromáticas distintas, mas feiamente berrantes. Drizella veste amarelo e Anastasia veste vários tons de rosa. Para além disso, as suas roupas demonstram o mesmo tipo de estilização baseada em modas do século XIX, sendo que as duas irmãs maldosas envergam maioritariamente vestidos que parecem interpretações da Hollywood dos anos 50 inspiradas em silhuetas da década de 1830.




Esta homenagem a estilos da era dourada dos estúdios é um pouco semelhante ao trabalho de Kate Hawley em Crimson Peak, mas ao invés de procurar uma estética gótica, Powell cristaliza neste filme a elegância fantasiosa que tanto caracterizava os star vehicles em contextos de época como o Orgulho & Preconceito protagonizado por Greer Garson.






As roupas de Cinderela, a sua madrasta, Drizella e Anastasia seguem a estética presente na sua introdução até ao resto do filme, mesmo no que diz respeito à sua rígida paleta cromática. A madrasta, por exemplo, quase nunca veste nada azul, sendo que essa cor, especialmente as tonalidades mais pálidas, são um constante motivo da felicidade de Ella. A cor mais prevalente no seu guarda-roupa é aliás o verde, que longe de lembrar a natureza, apenas se apresenta em tons imensamente ácidos e artificiais.





Este tipo de lógica visual bastante simples e fácil de perceber chega ao seu apogeu na cena do baile, o grande clímax do filme. Aí, estas três antagonistas vestem explosões de mau gosto em forma de vestidos exuberantes e berrantes, luxuosos mas imensamente feios. Blanchett, em particular, parece ser uma personificação da inveja, envergando camadas de luxuoso tecido verde dispostas em rígidas formas sobre a sua elegante figura. Não há aqui nada de subtil ou elegante e, neste caso, isto é uma qualidade e não um defeito.





Ella, depois de ver o vestido rosa que pertencia à sua mãe ser destruído pela sua maldosa família, que a tornou uma serva depois da morte do patriarca, encontra no jardim a sua fada-madrinha, disfarçada num impressionante figurino encapuzado. Depois de um simples ato de bondade, Helena Bonham Carter aparece sem qualquer subterfúgio de velhice, apresentando-se num exuberante figurino de clara inspiração rococó, coberto em cristais Swarowski. Faz sentido que a fada, uma criatura mágica e intemporal, use roupas que remetem para modas setecentistas, quando a maioria das personagens deste mundo se vestem ao estilo do século XIX.






É então que aparece o mais belo figurino do filme, e uma das melhores criações em toda a vasta filmografia de Sandy Powell, o vestido de Ella. Criado a partir de imensas camadas de vários tecidos em diversas tonalidades de azul, roxo, rosa e até branco, o vestido da protagonista brilha no ecrã com uma tonalidade azul tão forte como delicada. A simplicidade do vestido, que apenas tem como adorno algumas borboletas em volta do decote, leva-o a destacar-se da montanha de adornos e riqueza espalhafatosa que é o baile, onde cada figurante se veste com o tipo de luxo que esperaríamos de um protagonista em qualquer outro filme.




Já tanto falei da protagonista e suas odiosas familiares, e ainda não mencionei o príncipe, o interesse romântico de Ella. Seguindo o motivo dos figurinos de Ella e sua família, a personagem de Richard Madden veste-se maioritariamente em tons de azul, com alguns toques de agradáveis verdes, salientando assim a vibrante cor dos seus olhos, à perfeita moda das estrelas de Hollywood filmadas a Technicolor nos romances dos anos 50.





Tem de se fazer uma especial menção ao fato utilizado pelo ator numa cena em que o príncipe pratica esgrima. Muito foi dito em entrevistas sobre as calças imensamente justas que o ator usa e como Branagh e Powell tiveram de cuidadosamente selecionar a sua roupa interior de modo a manter a modéstia do ator e do filme. Vou simplesmente dizer que todos esses esforços valeram a pena e ficar-me por aí.




Se continuar a falar de cada personagem e cada figurino, nunca mais daqui saímos, sendo que mesmo os figurantes de todo o filme, especialmente os servos do palácio, se encontram impecavelmente vestidos. Para finalizar, vou mencionar o par de figurinos que encerra o filme, quando vemos Ella e o príncipe no dia do seu casamento. Ela veste um vestido que pouco deve a qualquer estética oitocentista, sendo uma peça claramente pertencente a uma fantasia moderna. O motivo de delicadas flores volta aqui a marcar presença, com o uso de azul pálido como símbolo do amor a aparecer no conjunto usado pelo príncipe.





A nomeação de Powell parece, neste momento, uma invariável certeza e penso que, sinceramente, ela é a mais forte candidata ao Óscar nesta categoria. Em Cinderela, vemos uma das mais formidáveis artistas do cinema contemporâneo a trabalhar sem limites orçamentais ou pragmáticos e o resultado final é um sonho em forma de guarda-roupa. Simplesmente glorioso.




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