segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Oscars 2015/16, Post mortem e análise da cerimónia e vencedores



Primeiro que tudo, tenho de dizer que, ao contrário do que parece ser a maioria da população mundial com acesso à internet, eu nunca achei que Leonardo DiCaprio fosse um enorme injustiçado dos Óscares, nem que ele devesse ganhar por The Revenant. Sinceramente, nunca lhe daria nenhum Óscar por qualquer uma das suas prestações, se bem que nomearia várias. Quando existem tantos maravilhosos artistas que não têm Óscares como Roger Deakins, Diane Warren, Thomas Newman, entre muitos outros, não percebo qual a razão para este fanatismo em volta de DiCaprio. Olhemos, por exemplo, para 1993 quando este ator recebeu a sua primeira nomeação. Ralph Fiennes recebeu também nesse ano a sua primeira nomeação e, tal como DiCaprio até ontem, ele não ganhou qualquer Óscar. Fiennes é, para mim, um ator monumentalmente superior a DiCaprio mas nunca se ouve ninguém falar de como a Academia lhe deve um Óscar. Para quem esteve anos a martelar a cabeça da Academia que Leo devia ganhar um destes prémios, eu dou o exemplo de Peter O’Toole, que nunca teve essa sorte antes de morrer e que foi um dos grandes atores da história do cinema. Basicamente, por favor pessoas da internet acalmem-se com a vossa desmedida paixão por Leonardo DiCaprio.

Com tudo isso dito e com a maior parte dos leitores afugentados, tenho de admitir que adorei o discurso de DiCaprio e que ele me conquistou nesses momentos. A sua vitória era certa e ele teve tempo de preparar o modo como iria aceitar este prémio e fez justiça às altas espectativas. Parabéns!
Esquecendo um pouco a vitória incontornável do ator que para mim será sempre Jack Dawson, falemos um pouco dos restantes vencedores da noite.


Nas minhas previsões pessoais apenas acertei em 15 dos eventuais escolhidos da Academia, tendo-me enganado em Ator Secundário, Canção original, Efeitos Visuais, ambas as categorias de som, Caracterização, Filme numa Língua Estrangeira, e melhor curta-metragem de animação e documental. Enfim, já tive anos piores e anos melhores e a verdade é que eu adoro surpresas na noite dos Óscares, mesmo quando são ocasionalmente desagradáveis.

Eu diria mesmo que a pior surpresa do ano e pior vencedor da noite foi a vitória de Sam Smith na categoria de Melhor Canção Original. Quem diria que ele conseguiria traduzir a sua vitória nos Globos de Ouro numa coroação pela Academia? E por uma das piores canções alguma vez nomeadas em toda a história da categoria. Certamente a Academia não supunha que Smith fosse ganhar, sendo que toda a produção da prestação musical de Lady Gaga parecia prenunciar uma celebração ao estilo de “Glory” o ano passado. Pelo menos esta vitória deu-nos a oportunidade de ver a melhor atuação da carreira de Gaga, quando esta forçou um dos mais insinceros sorrisos que já vi aquando da vitória do seu adversário nesta categoria.


As restantes surpresas foram infinitamente mais prazerosas, com a vitória de Ex Machina na categoria de Melhores Efeitos Visuais a ser o meu ponto alto da noite. Quem diria que a Academia iria contrariar décadas de uma preferência por obras vistosas nesta categoria, decidindo honrar aquele que é possivelmente o menos gritado e explosivo dos cinco nomeados. Apenas a vitória de Babe em 1995 é comparável.

Também a completa torrente de apoio para com Mad Max: Estrada da Fúria me tomou de surpresa, sendo que já tinha perdido a esperança que o filme conseguisse arrecadar mais que 2 ou 3 Óscares. O filme de George Miller varreu quase que por completo as categorias técnicas, saindo do Dolby Theatre como um dos grandes vencedores da noite com 6 galardões, todos eles imensamente merecidos. A vitória de Margaret Sixel foi de particular júbilo para mim.


Ainda a destacar nas minhas previsões erróneas está a vitória de O Filho de Saul do Óscar de Melhor Filme numa Língua Estrangeira. Eu estava certo que a Academia ia renunciar esta obra agressiva e iria refugiar-se na relativa convencionalidade de Mustang, especialmente considerando a força de alguns dos detratores do filme de Lázló Nemes. Felizmente a qualidade triunfou sobre a tradição, e o discurso do jovem realizador foi, para mim, um dos melhores de uma noite repleta de belos discursos, apesar de nenhum deles se realmente comparar à fogosidade de alguns do ano passado.


Na maior parte das restantes categorias, os esperados vencedores triunfaram, mesmo aqueles que mais fraudulentamente arrecadaram os seus prémios como Alicia Vikander, cuja prestação não pertence de modo algum à categoria que visa reconhecer a excelência de prestações secundárias. Talvez apenas a vitória de Mark Rylance me tenha realmente surpreendido nas categorias ditas principais. Eu já calculava que Stallone fosse perder ao estilo de Mickey Rourke, mas tinha assumido que Ruffalo fosse propulsionado tanto pela força das suas anteriores nomeações como pela vitória que já previa para Spotlight na mais alta honra da noite.


E assim chegamos a Melhor Filme e Realizador. Orgulho-me, tenho de admitir, de ter previsto este final desenrolar de uma Awards Season cheia de imprevisibilidades e falta de consenso. No final, a votação preferencial fez a sua magia e The Revenant mostrou-se como uma obra demasiado polarizante para ganhar. É claro que Iñarritu acabou por voltar a ganhar, mas aí eu tinha poucas esperanças de um diferente resultado. Tal como Leo, no entanto, tenho de reconhecer o valor do seu discurso, especialmente no que diz respeito à sua indignação para com alguma da atual retórica política xenófoba que domina as primárias republicanas dos EUA.


Dos vencedores tenho apenas a acrescentar que foi maravilhoso finalmente ver Ennio Morricone a ganhar um Óscar.


domingo, 28 de fevereiro de 2016

Oscars 2015/16, MELHOR FILME



Com esta análise à categoria de melhor filme chegamos ao fim desta minha dissecação e exploração de todas as categorias dos Óscares referentes a longa-metragens. Infelizmente, não tenho acesso à maior parte das curtas-metragens nomeadas pelo que não tenho base com que escrever qualquer tipo de crítica das três categorias que visam honrar esse tipo de cinema.

Voltando ao Óscar de Melhor Filme, depois das suas vitórias nos BAFTAs e nos Golden Globes muitos estão a prever uma vitória sem precedentes para The Revenant, que também é o favorito em, pelo menos, mais três categorias. Eu não tenho grande convicção na vitória do filme protagonizado por Leonardo DiCaprio. Em anos anteriores, quando confrontados com a escolha entre um espetáculo de pirotecnia formal e alternativas com maior aparência de relevância social, a Academia mostrou tendência a preferir os filmes com mensagens mais relevantes e socialmente importantes.

Para além dessa tendência da Academia de Hollywood, também existe o facto de que os Óscares apenas partilham o seu sistema de votação com os PGAs, onde A Queda de Wall Street derrotou o filme de Iñarritu. Os Óscares usam um sistema de votação preferencial, em que os votantes colocam os nomeados por uma ordem de preferência ao invés de simplesmente nomearem aquele que acham o melhor. Isto favorece filmes que não polarizem o corpo votante, e The Revenant é tão adorado como é por muitos detestado, enquanto Spotlight é abertamente louvado, mesmo por quem não esteja particularmente entusiasmado com os seus feitos enquanto peça de cinema.

Com isto em conta assim como a geral imprevisibilidade da temporada, que chegou à sua apoteose com a divisão dos sindicatos principais, parece que estamos numa corrida de três filmes para o ouro. Pessoalmente prefiro Spotlight aos outros dois e acho que é também aquele que menos aversão consegue provocar na generalidade da população. Veremos se a minha previsão se verifica ou se vamos sofrer a colossal tragédia de ver The Revenant coroado como o Melhor Filme de 2015. Quase tremo só de pensar em tal horror.

Em relação aos outros nomeados, parece-me que não têm grande hipótese de ganhar aqui. É certo que Mad Max: Estrada da Fúria foi o grande favorito das massas críticas internacionais, mas não consigo imaginar os Óscares a fazerem uma escolha tão pouco ortodoxa, por muito que o filme mereça esta honra.

De resto, Perdido em Marte, A Ponte dos Espiões, Brooklyn e Room devem contentar-se somente com a sua nomeação. Mas quem sabe? O filme de Lenny Abrahamson recebeu um apoio surpreendente da Academia, com uma nomeação surpresa para Melhor Realizador e é inegável como Jacob Tremblay tem vindo a conquistar o coração de todos os que acompanham a Awards Season.

Não vou perder tempo a falar dos filmes que injustamente foram ignorados, mas tenho de salientar como incrivelmente mediana e desinspirada é esta seleção, com apenas um filme a se destacar pela sua incontornável genialidade. Enfim, mediano e banal são expressões que poderiam caracterizar grande parte dos nomeados a este Óscar desde a sua criação.

Mas chega de pensamentos negativos. Esta noite são os Óscares! Vamos celebrar e pensar em cinema, mesmo que seja simplesmente para afastarmos o pensamento das escolhas desastrosas da Academia. Viva o cinema!





RANKING DOS NOMEADOS:



8. The Revenant, Arnon Milchan, Steve Golin, Alejandro González Iñárritu, Mary Parent, Keith Redmon


Da minha crítica de The Revenant – O Renascido:

“Juvenil, limitado e cansativo são boas palavras para descrever The Revenant que, apesar da sua magnificência técnica, não encontra qualquer glória cinematográfica na sua eficiência, e que apenas se revelou como uma das mais tortuosas e estupidificantes experiências que tive ao ver filmes deste passado ano de 2015. Enfim, parabéns a DiCaprio pelo seu Óscar e a todos os nomeados deste filme, por muito que nenhum deles realmente tenha merecido a aclamação que receberam.”

Para além da sua impressionante, mas conceptualmente vazia, pirotecnia técnica, The Revenant é uma obra completamente desprezível. Há quem encontre profundidade e humanidade neste filme, mas eu nada disso vejo. Sinceramente, esta foi das mais odiosas experiências que o cinema de 2015 me trouxe, pois há poucas experiências mais irritantes que ver um desastre cinematográfico com pretensiosismos de genial grandeza e que, pelo caminho, conseguiu convencer muitos críticos e espectadores dessa mesma importância ilusória.




7. The Big Short, Brad Pitt, Dede Gardner e Jeremy Kleiner


Da minha crítica de A Queda de Wall Street:

“Para mim, o maior problema de todo este filme nem é a sua incompetência formal ou a sua desumana coleção de caracterizações limitadas, mas sim o seu tom, que já anteriormente referi. Ao investir num constante registo de insinceridade, The Big Short, que já é um projeto de premissas dúbias quando celebra o sucesso financeiro de um grupo de homens que se aproveitou da iminente miséria de milhões de pessoas para ganhar milhões, acaba por ser o arquiteto da sua própria irrelevância. O filme pretende explorar a doentia realidade e o perigo de um sistema capitalista caído em completa selvajaria gananciosa, e estas são ideias importantes para transmitir a uma audiência, mas eu não penso que reduzir tudo a uma comédia irónica e despreocupada seja a chave para tal, especialmente quando o tom do filme apenas parece retirar importância à informação que nos vai sendo dada.”

Apesar de eu conseguir encontrar valor nas intenções deste filme, a sua abordagem, para mim, é um completo desastre, ativamente trabalhando contra qualquer tipo de nobreza ideológica que possa estar na génese do projeto. Talvez a parte mais trágica de tudo isto seja mesmo o modo como o filme demonstra o potencial para ser uma obra de cinema muito superior ao que acabou por ser, com um elenco cheio de fantásticos atores, uma impetuosidade incomum na exploração da corrupção do sistema financeiro americano e um empenho extraordinário na disseminação de informações cruciais para o entendimento da catástrofe económica que explodiu em 2008 e cujas repercussões ainda estamos a sentir hoje em dia.




6. The Martian, Simon Kinberg, Ridley Scott, Michael Schaefer e Mark Huffam


Da minha crítica de Perdido em Marte:

“O que principalmente admirei no filme foi, de certo modo, a sua relativa simplicidade e falta de ambição. Tal parece ser uma crítica em forma de elogio traiçoeiro, mas não o é de todo, sendo que é exatamente nessa simplicidade que o filme floresce e evita cair nos perigos do pretensiosismo e auto glorificação que deflagram por outros filmes semelhantes como forças destruidoras. Para mim, aliás, os únicos momentos em que o filme realmente me começou a desiludir foram durante as cenas do resgate final em que começa a existir uma enfática insistência no dramatismo da situação que acaba por cair num cliché sentimentalista que não se conjuga bem com o resto da abordagem do filme. Isto é, eu volto a salientar, particularmente surpreendente quando consideramos a absoluta falta de leveza ou delicadeza tonal que se espalha pela filmografia de Scott, se bem que aqui o realizador tem muito que agradecer ao seu elenco.”

Quem diria que Ridley Scott ainda era capaz de criar uma leve peça de entretenimento cheia de humor e nenhuma da seriedade carrancuda que tem vindo a dominar a sua recente filmografia? Eu certamente não seria uma dessas pessoas e fico feliz com esse erro hipotético, sendo que este é o melhor filme do realizador desde Thelma e Louise. No entanto, é difícil ignorar alguns dos maiores problemas tonais do filme, assim como a sua abjeta falta de tensão. Perdido em Marte acaba por ser uma experiência facilmente descartável, mas não por isso menos digna de alguma admiração. Por vezes, há que valorizar cinema populista de entretenimento sem grandes ambições pela simples eficiência da sua concretização. Para além disso, é raro vermos um blockbuster construído em volta do que é quase uma celebração de heroísmo coletivo, de trabalho colaborativo e não do simples e redutivo arquétipo do indivíduo heroico.

Oscars 2015/16, MELHOR FILME NUMA LÍNGUA ESTRANGEIRA



Para grandes amantes de cinema internacional que acompanhem os Óscares, não será de estranhar que todos os anos a categoria de Melhor Filme Estrangeiro apresente uma coleção de nomeados infinitamente mais interessantes do que aqueles outros filmes a que é atribuída uma nomeação na principal categoria de Melhor Filme. Este ano, tenho de confessar, que nem todos os nomeados desta categoria partilham o mesmo nível de genialidade e importância, mas, pelo menos, oferecem algumas visões de cinema que nunca conseguiriam entrar na categoria principal.

Parte desse reconhecimento de obras com intenções agressivamente artísticas deve-se grandemente ao invulgar processo pelo qual filmes são nomeados para este prémio. Depois de serem selecionados como representantes dos seus países por diversas entidades de cada nação, os filmes candidatos a este Óscar são prontamente reduzidos a um grupo de 9 finalistas, sendo que existe um comité especial que tem o poder de salvar uma obra que julguem ser de particular importância ou mérito. É desse modo que conseguimos acabar por ter nomeados tão bizarros como Canino de Yorgos Lanthimos, por exemplo.

Este ano, os dois filmes com abordagens cinematográficas mais distintas e formalistas são El abrazo de la serpiente da Colômbia e Saul fia da Hungria. Esta é a primeira vez que a Colômbia arrecada uma nomeação, mas não é decerto a estreia da Hungria cujo último vencedor deste Óscar, Mephisto, foi precisamente outra obra sobre o Holocausto.

Aliás, o Holocausto é o grande tema de eleição desta categoria, mas eu diria que poucas vezes foi nomeado um filme tão estilisticamente violento como Saul fia. É exatamente devido a essa sua impetuosidade formal que eu vejo a grande ameaça à sua vitória. Quando confrontados com obras de difícil assimilação, os Óscares têm a infeliz tendência de preferirem honrar filmes mais convencionais e muito menos desafiadores.

Por isso, eu estou a prever uma semi surpresa esta noite, com França a arrecadar mais um Óscar nesta categoria com Mustang, um filme de produção francesa que é, no entanto, um filme criado por cineastas da Turquia, com uma história turca e filmado nessa nação.

Para além desses três nomeados, temos ainda dois filmes que receberam muito menos atenção dos media, Theeb e Krigen da Jordânia e Dinamarca, respetivamente. Nenhum destes filmes é de particular inovação ou desafio, mas se há quem destrone o favorito Saul fia penso que será Mustang. No entanto, nunca se sabe e esta categoria não é particularmente oposta a presentear cinéfilos com terríveis e inesperadas escolhas.




RANKING DOS NOMEADOS:


5. Theeb, Jordânia


Os Óscares parecem estar presentemente obcecados com histórias de sobrevivência em ambientes hostis, pelo que a narrativa de Theeb deve ter sido particularmente apelativa para os votantes que aqui puderam apreciar uma quase classicista narrativa de aventura e resiliência no meio do magnífico e implacável deserto da Jordânia. Como isso mesmo, um filme de aventura, esta obra resulta de modo inequivocamente eficiente, se um pouco desastrado. As composições dos atores na paisagem, por exemplo, são muito desinspiradas por muito que a natureza capturada pelas câmaras seja de cortar a respiração na sua austera beleza. Também a acrescentar a esta abordagem clássica que quase cai no banal, temos um daqueles infelizes casos em que a utilização de não atores é mais prejudicial que benéfica, colocando no centro do filme uma presença que nunca consegue completamente transmitir a viagem emocional traumática sofrida pela personagem. Mesmo assim, o filme tem grandes qualidades e consegue, ocasionalmente, sugerir alguma grandeza cinemática. Por exemplo, uma sequência noturna em que todo o enredo sofre uma cruel e violenta reviravolta é um inesquecível momento de musculosa bravura cinematográfica, com as trevas de uma noite no deserto a ganharem dimensões demónicas quando o som de atacantes invisíveis concede ao filme a atmosfera de um traumático pesadelo. É claro que, para mim pelo menos, a grande força do filme está no seu retrato de uma cultura e um modo de viver prestes a cair no precipício do oblívio que viria com o período a seguir à primeira guerra mundial no Médio Oriente. Esse aspeto de reflexão histórica é algo inesperado e imensamente mais bem conseguido que o drama humano, que, apesar disto, tem uma potente conclusão em que esse peso cultural de tradições e noções ancestrais de honra se mesclam com a fúria juvenil do protagonista. O resultado final é um momento de vingança sangrenta em que o triunfo está ausente, sendo apenas um vazio melancólico a marcar presença e a injetar uma louvável complexidade moral a um filme que tem tendência a recorrer a demasiadas fórmulas narrativas típicas deste tipo de aventuras.




4. Krigen, Dinamarca


Depois de uma infinidade de filmes de Guerra a retratar os conflitos no Médio Oriente nas últimas décadas, é muito difícil encontrar alguma obra que nos ofereça visões novas dessas mesmas situações, sendo que muitas destas narrativas parecem estar presas numa constante repetição de temas já explorados por outros. Em termos estéticos, é inegável que Krigen é uma obra de uma banalidade quase opressiva, que não contém uma única imagem ou mesmo qualquer tipo de escolha formal que o distingam enquanto filme da imensidão de outras obras semelhantes no panorama do cinema contemporâneo. O que o distingue, no entanto, é o seu argumento e o modo como este apresenta uma estrutura agressivamente bifurcada, em que uma metade é um modesto e prosaico filme de guerra, enquanto a outra é um drama de tribunal que coloca em questão o que vimos anteriormente. Inteligentemente, os cineastas de Krigen esvaziam o filme de qualquer tipo de subjetividade estilística nessa segunda metade, apresentando o material acusatório como algo a ser ponderado tanto pela audiência como pelos intervenientes dentro do filme. O grande passo em falso do filme é o modo como insiste em construir um retrato familiar em simultâneo à sua exploração ética. Noutro filme essa mesma representação de uma família a lidar com as cicatrizes da guerra na sua unidade poderia ser bastante fascinante, mas neste filme apenas serve para simplificar e forçar uma defesa do protagonista. Felizmente, os atores são exímios na execução deste enredo, criando caracterizações tão opacas como reveladoras e que, de modo geral, conseguem contornar as maiores fragilidades e facilitismos dramáticos do texto. Está longe de ser uma obra inovadora, mas é um filme de inegável interesse.


sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Oscars 2015/16, MELHOR REALIZADOR



Já nos estamos a aproximar das últimas categorias!

Há algo que eu devia esclarecer que é o modo como eu e a Academia temos uma visão claramente diferente do que constitui um louvável trabalho de realização. Para mim, o trabalho de autores formalistas é normalmente aquele que eu mais valorizo enquanto para a Academia, as vozes autorais mais distintas e individualistas parecem ser algo desprezível, sendo que o Óscar de Melhor Realização tem vindo a demonstrar uma triste tendência para simplesmente reconhecer bons trabalhos de direção de autores, ignorando as restantes complexidades do trabalho de realização.

Interessantemente, apesar desta minha queixosa introdução, é de destacar como o provável vencedor deste ano, Alejandro Ginzález Iñarritu, está a alcançar este seu presente sucesso precisamente como uma consequência da sua vistosa pirotecnia técnica e não tanto pelos atores dos seus filmes. Seria erróneo ignorar como a vitória garantida de Leonardo DiCaprio tem catapultado este filme para a frente da Awards Season, mas seria igualmente erróneo menosprezar quanto a ambição formal de Iñarritu tem contribuído para a aclamação crítica do filme.

Outro aspeto grandemente atípico é a nomeação de George Miller, o grande favorito dos críticos pelo seu trabalho em Mad Max: Estrada da Fúria. Mais do que qualquer outro dos outros nomeados, que alcançou esta posição através da geral aceitação das suas obras pelos mecanismos mediáticos da Awards Season, Miller conseguiu esta nomeação pela absoluta mestria do seu trabalho que fez com que um filme tão grotesco e atípico conseguisse este reconhecimento por parte da Academia. Eu diria mesmo que é um verdadeiro milagre que Miller tenha conseguido esta nomeação, mas ainda bem que tal sucedeu.

Tom McCarthy e Adam McKay, pelo contrário, devem as suas nomeações quase que exclusivamente ao estatuto das suas obras como frontrunners para o óscar de Melhor Filme, assim como ao seu manejamento de enormes elencos cheios de nomes sonantes e aclamadas prestações.

A grande surpresa destas nomeações foi certamente Lenny Abrahamson que, para muitos que não eu roubou o lugar de Ridley Scott nesta seleção. Eu diria que este realizador irlandês não tem hipóteses nenhumas de vencer, mas este ano nunca se sabe com toda a temporada a ser caracterizada por uma deliciosa imprevisibilidade em todas as categorias que não as de Melhor Ator e Atriz.





RANKING DOS NOMEADOS:



5. Adam McKay por The Big Short


Da minha crítica de A Queda de Wall Street:

“Em termos formais, o filme é uma obra de crónica indisciplina e franca incompetência técnica. A fotografia é prosaica no melhor dos momentos e ativamente incompetente nos piores, focando-se na cara dos atores e em composições banais que quase dão a impressão de estarmos a ver um telefilme da ABC com noções de desproporcional importância própria. Isto não é ajudado pela montagem enlouquecida em que o conceito de continuidade, lógica espacial e ritmo dramático são conceitos obscuros e nunca aplicados. (…) hiperbólicos cortes que pouco fazem senão distrair e demonstrar um desenfreado desespero da parte dos cineastas em injetar energia num filme que se afoga na sua constante necessidade de expor informação a partir de longos monólogos.”

Há uma coisa que destaca McKay de todos os seus companheiros nesta categoria. Apesar das fragilidades que eu vejo no trabalho e visão de alguns dos outros nomeados, nenhum deles é o que chamaria de um mau realizador, pelo menos todos eles demonstram um certo domínio e conhecimento da linguagem do cinema. McKay, por outro lado, apenas demonstra uma crónica incompetência, limitada visão e absurda indisciplina. Eu entendo que é difícil conjurar um tom cómico da constante torrente de informação que o argumento de The Big Short atira contra a sua audiência, mas a abordagem deste realizador é nada mais que uma simples e intolerável coleção de forçados facilitismos estilísticos. Desde a horrenda e desesperada tentativa de injetar energia por entre a vasta verbosidade do argumento, à inconsistente direção do elenco, McKay nunca demonstra ser mais que um mestre da abjeta incompetência. É um insulto a todo o legado da Academia e do cinema americano que esta podridão diretorial esteja nomeada para o prémio de Melhor Realizador, mas enfim… acho que por esta altura já todos nós nos devíamos ter apercebido que os Óscares têm muito pouco que ver com verdadeira excelência cinematográfica.




4. Alejandro González Iñarritu por The Revenant


Da minha crítica de The Revenant:

“O que é que, no entanto, resulta de toda esta eficiência técnica? Um espetáculo da mais formidável pirotecnia que Hollywood tem para oferecer com os seus luxuosos recursos, mas não, de modo algum, a exposição de ousada aventura e risco cinematográfico e humano obsessivamente descrito pela sua equipa sedenta de troféus dourados. Já muito se ouviu falar das dificuldades das filmagens deste filme, da carga de sofrimento psicológico e físico que todos os envolvidos tiveram de suportar, mas, no entanto, nenhum desse risco se regista na obra final que não poderia ser um mais descarado fruto da industrial competência dos estúdios da atualidade. Nenhuma da perigosa ousadia e impetuosa vanguarda de Herzog se consegue encontrar aqui, e muito menos o tipo de filosofia multifacetada e estruturação fluida do cinema de Malick. No final, apesar de Iñarritu praticamente forçar a sua audiência a comparar o seu trabalho com o desses outros autores, esta comparação apenas resulta na perceção de quão abjetamente superficial e completamente vazio de ideias se encontra o filme sobre Hugh Glass.”

Para ser perfeitamente sincero, eu estou a ficar exausto de tanto escrever sobre este filme. Tal como podem ler na minha crítica, eu não tenho nenhum afeto por The Revenant e este já é o 12º artigo em que falo desta obra de Alejandro González Iñarritu. Grande parte da minha irritação com este filme devém da abordagem do seu realizador que parece julgar que a imitação equivale a genialidade cinematográfica. Os comentários do autor mexicano sobre o seu próprio filme têm apenas ajudado a alimentar a minha animosidade. Em resumo, eu não valorizo o esforço técnico que Iñarritu passou como uma marca segura de qualidade, sendo que o filme, de modo geral, é um desastre ideológico, uma catástrofe desumana e um irritante fracasso no que diz respeito a telegrafar para a sua audiência a interioridade e perspetiva individual do seu protagonista, preferindo observá-lo à distância com um olhar formalista e quase pornográfico na sua exploração de sofrimento humano. Um trabalho deplorável que é apenas admirável pela sua impressionante eficiência técnica.


quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Oscars 2015/16, MELHOR GUARDA-ROUPA




Depois de Jenny Beavan e Paco Delgado terem ganho os Costume Designers Guild Awards para Melhores Figurinos num Filme de Fantasia e de Época, respetivamente, parece que, possivelmente, a esperança de Sandy Powell em ganhar um quarto Óscar se comece a esmorecer. É claro que este sindicato não tem uma relação particularmente próxima dos Óscares, no que diz respeito à semelhança entre as suas escolhas, mas com a sua vitória nos BAFTAs parece que Jenny Beavan poderá vir a ser a figurinista galardoada com o Óscar de Melhor Guarda-Roupa deste ano.

Apesar da minha devoção à magnífica Sandy Powell, sobre a qual poderão ler um pouco nesta minha análise sobre o seu trabalho em Cinderella, eu não ficaria entristecido se Beavan arrecadasse o troféu no próximo domingo. Depois de uma carreira inteira construída em volta de respeitosos filmes de época, esta aventura de Beavan pelo caótico mundo da ficção-científica pós-apocalíptica de Mad Max é uma deliciosa surpresa e uma das mais fascinantes reviravoltas profissionais imagináveis.

De resto, temos Delgado indicado por A Rapariga Dinamarquesa, a sua segunda colaboração com Tom Hooper, Jacqueline West por The Revenent, uma nomeação assegurada somente pela paixão absoluta que a Academia teve por este filme, e Powell por Carol e Cinderella.

Já em 1998, Sandy Powell esteve candidata ao Óscar com duas nomeações, tendo acabado por arrecadar o Óscar em nome de A Paixão de Shakespeare. Será que ela consegue repetir essa vitória neste ano em que volta a desfrutar da rara dupla nomeação?

Apesar de esta ser uma lista de cinco sólidos ou geniais nomeados, eu tenho de admitir que fiquei um pouco desapontado no dia das nomeações. A categoria de Melhor Guarda-Roupa tem vindo a se afirmar como uma das partes da Academia com um gosto mais autónomo e idiossincrático, muitas vezes indicando filmes que não são recordados por mais nenhuma categoria. Infelizmente, neste ano de imprevisibilidades, parece que os figurinistas da Academia escolheram a segurança e conformidade que usualmente rejeitam. Eu duvido, por exemplo, que The Revenant tivesse adquirido esta nomeação se não fosse um dos inegáveis frontrunners ao Óscar de Melhor Filme,





RANKING DOS NOMEADOS:



5. Paco Delgado por The Danish Girl



 





Apesar das minhas colossais reservas em relação ao mais recente filme de Tom Hooper, tenho de reconhecer que os visuais de A Rapariga Dinamarquesa conseguem escapar ao poço de sufocante mediocridade em que o resto do filme se afoga. Os figurinos do filme ficaram a cargo do figurinista espanhol Paco Delgado, que aqui colabora pela segunda vez com o realizador, sendo que Delgado também desenhou os figurinos de Les Misérables. Tal como a cenografia de Eve Stewart, os figurinos de Delgado demonstram uma inteligente delicada paleta cromática inspirada nas pinturas das duas artistas cuja história é retratada no filme. Eu diria mesmo que a grande qualidade que Delgado traz ao seu filme é o seu domínio do uso de materiais e cores, conferindo ao filme um caracter tátil que está completamente ausente da restante mise-en-scène. De destacar também está a construção do guarda-roupa de Lili e da sua transição de um visual masculino a uma identidade exterior completamente feminina, sendo que os fatos largos e cintados desenhados por Delgado são o grande highlight de todo o guarda-roupa. Nem tudo é positivo, no entanto. A narrativa de A Rapariga Dinamarquesa passa-se na segunda metade da década de 20 do século passado e seria de esperar que Delgado tentasse recriar essa realidade, especialmente se considerarmos a estética relativamente realista que caracteriza abordagem estilística do filme. Apesar disso, na primeira metade do filme, Delgado parece completamente ignorar esses dados temporais, construindo um guarda-roupa baseado nas modas do período da Primeira Guerra Mundial. O figurinista alegou em entrevistas que esta escolha foi feita como modo de salientar as restrições sociais impostas sobre o casal no centro da narrativa, sendo que, quando chegam a Paris, as suas roupas mostram uma imensa progressão e adotam as modas vigentes da sua época numa mostra de “libertação”. O problema é que isso vai propositadamente contra as indicações textuais, que salientam numa cena quão curta a saia de Gerde é, por exemplo. Eu tenho noção que A Rapariga Dinamarquesa é uma versão extremamente ficcionada das vidas das suas protagonistas, mas é horrendo quão o filme distorce o seu modo de vida, ignorando quão progressivas as suas atitudes eram para com a sexualidade e as normas sociais. Apesar de Delgado querer simplificar a história de Gerde e Lili num arco narrativo de repressão antiquada e libertação, isso ignora as complexidades das suas vidas e apenas prejudica o filme como um todo. Não que o filme realizado por Hooper precise de muita ajuda para ser um completo desastre.




4. Jacqueline West por The Revenant







Tal como a cenografia concebida por Jack Fisk, o guarda-roupa da autoria de Jacqueline West foi construído com o intuito de edificar para The Revenant um mundo físico autêntico e com uma força visceral. Muitos dos aspetos do filme, como a fotografia e a montagem, tendem a parecer demasiado indulgentes e polidos, mas o vestuário que West criou para este filme está longe de tais impulsos ou fragilidades, primando por uma imensa fidelidade histórica e extrema preocupação em recriar não só o corte e a cor, mas também a textura e temperatura das roupas usadas pelo elenco de personagens que integram esta narrativa de vingança e resiliência humana face à Natureza cruel. O trabalho de investigação, focado tanto em registos textuais como em retratos e fotografias dos povos nativos americanos da região, deu os seus frutos, concedendo aos figurinos de The Revenant uma forte presença que, apesar de imensamente deselegante e quase monótona, é de louvar. Apesar da maior parte dos figurinos, devido à sua cor e sujidade, parecerem quase idênticos à distância, West construiu pequenas coleções de precisos detalhes a diferenciar cada figura humana, delineando as suas origens e condição social antes da narrativa. Talvez o mais notório exemplo de caracterização através da linguagem do vestuário seja mesmo o contraste entre Glass, vestido em leves roupas baseadas em trajes de nativos americanos, e o peso e corpulência de Fitzgerald com o seu casaco feito de múltiplas espécies de animais, como que uma prova visual da sua hubris e aptidão para indecente carnificina. O trabalho de West é um aspeto essencial da experiência sensorial que The Revenant pretende criar, sendo que as suas criações, feitas de materiais autênticos, são uma componente indispensável de uma mise-en-scène em que o abater das monumentais adversidades naturais sobre a figura humana é também integralmente inserido em todo o discurso visual concebido por West.



quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Oscars 2015/16, MELHOR ATRIZ



Depois de examinar as categorias de Melhor Ator Secundário, Atriz Secundária e Ator num Papel Principal, finalmente chegamos ao galardão de Melhor Atriz, a categoria, que para mim tem a melhor coleção de nomeados de toda esta edição dos Óscares. Até a prestação de Jennifer Lawrence, cuja nomeação tem sido muito denegrida face às outras performances nomeadas, merece uma certa admiração e está certamente repleta de escolhas interessantes que exigem análise.

Das cinco atrizes, Lawrence é a que terá menos hipóteses de ganhar, sendo que já recentemente arrecadou este preciso galardão pelo seu trabalho em Silver Linings Playbook e que Joy foi bastante ignorado pela Academia, com a exceção desta mesma nomeação.

Outra recente vencedora que se encontra nesta lista de nomeadas é Cate Blanchett. Esta atriz australiana encontra-se nomeada por Carol, um filme que certamente esteve perto de ser nomeado para Melhor Filme. Este projeto representa tanto a segunda colaboração com Todd Haynes como a sua segunda participação numa adaptação de uma obra de Patricia Highsmith, e tenho de dizer que essa coleção de três prestações representa algum do melhor trabalho na sua ilustre carreira. Num mundo ideal, Blanchett estaria aqui acompanhada pela sua coprotagonista, mas infelizmente, devido a campanhas fraudulentas, Rooney Mara foi relegada à categoria de Melhor Atriz Secundária. Desde 1991 que nenhum par de atrizes do mesmo filme é nomeado nesta categoria, e parece que a Academia não vai voltar a tomar tal decisão no futuro próximo.

Excluindo Blanchett e Lawrence, as outras atrizes ainda não arrecadaram nenhum Óscar. Saoirse Ronan encontrase aqui nomeada pela segunda vez, sendo que em 2007 foi indicada, na categoria de Atriz Secundária, pelo seu genial e austero trabalho em Atonement de Joe Wright. Passados 8 anos, a atriz finalmente teve acesso a um papel com a exposição e potencial necessário para a catapultar para o estrelato e para o topo da corrida ao Óscar. Se a sua carreira continuar a florescer desta maneira, será de esperar que mais nomeações se encontrem no seu futuro.

Quase tão jovem como Ronan é Brie Larson, que se encontra a desfrutar a sua primeira nomeação. A atriz de Room é a grande favorita para ganhar o Óscar e, se tal se verificar, penso que quase se poderia firmar que é uma recompensa por uma carreira cheia de consistente qualidade e eficiência. Apesar da sua juventude, Larson tem acumulado um impressionante currículo, cheio de prestações brilhantes, usualmente ignoradas aquando da Awards Season. Apenas a sua participação em Short Term 12 parece ter gerado algum furor entre as várias organizações de prémios de cinema e eu diria mesmo que Larson deve muito deste sucesso à exposição que teve com esse tocante drama.

É claro que nenhuma destas atrizes, nem mesmo Cate Blanchett, se podem sequer comparar a Charlotte Rampling no que diz respeito ao seu currículo. Desde 1965 que a atriz britânica tem vindo a desenvolver a sua carreira em volta de projetos memoráveis e de imensa importância artística. A sua facilidade com o francês também tem possibilitado a Rampling uma prolífera carreira no cinema francês, sendo que ela é quase que uma musa para o realizador François Ozon. A sua nomeação por 45 Years é o pináculo de uma gloriosa carreira, e a grande aceitação de Hollywood desta atriz que há décadas tem mostrado a sua genialidade em cinema de autor. Devido à sua escolha de projetos tender para um tipo de cinema artístico que a Academia usualmente ignora, eu temo que esta seja a única oportunidade que Rampling alguma vez terá para ganhar este prémio e por essa mesma razão eu estou a torcer por ela, mesmo tendo em conta os seus infelizes comentários sobre a questão da diversidade nos Óscares e a monumental qualidade das outras prestações que estão em competição com o seu magistral trabalho no mais recente drama de Andrew Haigh.





RANKING DAS NOMEADAS:



5. Jennifer Lawrence em Joy



Na minha análise desta prestação escrevi:

“O ponto de viragem, tanto na qualidade do filme como no trabalho da atriz vem aquando da participação de Joy no programa de televendas da QVC, tentando vender o fruto do seu trabalho em direto. É aqui que a atriz demonstra uma formidável mestria sobre a sua personagem e sobre as necessidades do filme. Lawrence é uma estrela de cinema, disso não há dúvida, mas curiosamente um dos seus melhores atributos enquanto intérprete devém precisamente da sua negação dessa mesma natureza de estrela como ela fez com a nervosa Katniss Everdeen nos primeiros dois filmes da saga Hunger Games. Ver Lawrence interpretar o colossal desconforto de Joy Mangano em frente a câmaras pela primeira vez na vida é uma delícia incalculável e uma perfeita exposição dos talentos da atriz que, nesta sequência torna Joy numa heroína fortemente humana e arrebatadoramente vulnerável apesar da sua força e imbatível vontade de vencer neste mundo.”

A cena que acimo descrevo é o píncaro da prestação de Jennifer Lawrence, sendo que até e poderia dizer que é um forte candidato ao melhor momento individual de toda a carreira desta estrela enquanto atriz. Infelizmente, nem Jennifer Lawrence nem o caótico filme que é Joy, conseguem manter de forma consistente esse nível de genialidade, o que, no entanto, não quer dizer que o resto da prestação de Lawrence seja algo desprezível ou facilmente descartado. Eu diria mesmo que este é dos melhores trabalhos da atriz tirando as derradeiras cenas do filme, em que a atriz é levada a tentar forçar na sua prestação uma maturidade que simplesmente não consegue conjurar de modo credível. Certamente, Joy representa a melhor colaboração entre Lawrence e David O. Russell, onde a indisciplina tonal do realizador quase serve de veículo para Lawrence desenvolver na personagem de Joy Mangano uma âncora emocional e humana de todo o filme. O papel permite a Lawrence brilhar com o seu usual carisma de estrela de cinema, mas também lhe dá uma fabulosa oportunidade para complicar o que podia ser facilmente um papel superficialmente heroico e inspirador, sendo que a atriz injeta nos procedimentos narrativos de Joy uma surpreendente melancolia que complica mesmo os momentos mais joviais e energéticos do filme. Um realizador indisciplinado e uma atriz indisciplinada encontram-se em Joy e, miraculosamente, o resultado é estranhamente sofisticado e emocionalmente complexo. Sim, está longe, na minha opinião, de ser uma das melhores prestações do ano, mas é certo que merece uma certa quantidade de louvor e admiração.




4. Saoirse Ronan em Brooklyn


Da minha crítica de Brooklyn:

“Ronan é um poço de carisma ao estilo da velha Hollywood, sendo que o seu trabalho funciona perfeitamente na sua modulação de emoções fortes e simples telegrafadas de modo claro mas belissimamente delicado. Aliás, toda a prestação da atriz é caracterizada por uma formidável delicadeza mesclada com uma estilização de maneirismos apropriados à localização histórica da narrativa. Uma mistura da simplicidade apelativa dos clássicos da velha Hollywood com a subtileza expressiva de estilos mais atuais, esta é uma performance de louvar que, infelizmente, é bastante limitada por algumas das imposições do texto.”

Por muito que o argumento de Nick Hornby mostre uma triste tendência a simplificar os conflitos interiores de Eilis, a protagonista de Brooklyn, e a resolver os contratempos da narrativa de um modo que quase rouba a personagem de agência. A prestação de Saoirse Ronan compensa todas essas fragilidades textuais. Acima refiro a abordagem estilística da atriz e sua delicada simplicidade, ambas perfeitas escolhas para o tom do filme, mas também devo referir quão perfeita e multifacetada é a caracterização que Ronan faz de Eilis. Por exemplo, apesar da sua juventude, inocência e confusão quando confrontada com uma nova realidade nos EUA, há sempre uma contracorrente de humor na personalidade de Eilis, que se mostra mesmo nos momentos mais desesperantes e que chega a maravilhosos píncaros nas cenas partilhadas com Emory Cohen. Ronan modula brilhantemente esse humor, não descurando também os elementos mais dramáticos da sua personagem, ou a sua indecisão e tristeza. Eu diria mesmo que o terceiro ato do filme só funciona devido aos esforços da atriz que pega na opacidade com que o texto retrata Eilis, e telegrafa para a audiência todas as dúvidas interiores da jovem assim como a sua progressiva sedução por uma volta à normalidade com que cresceu. Num panorama económico atual em que histórias de jovens a abandonar os seus países em busca de melhores oportunidades se está a tornar uma infeliz banalidade, é magnífico poder observar a prestação de Soairse Ronan, em que tal melancólica experiência é perfeitamente cristalizada na sua bravura e amargura. Para mim, o melhor momento da atriz é mesmo uma reação silenciosa durante um inesperado momento musical numa noite de Natal. No olhar lacrimoso de Ronan existe uma honestidade emocional rara no cinema contemporâneo, conferindo ao filme uma sinceridade emocional dos filmes de outros tempos, que a mise-en-scène do filme tanto quer homenagear com o seu romântico classicismo.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Oscars 2015/16, MELHOR ARGUMENTO



Como os Óscares raramente mostram grande interesse pelo que se convencionou chamar de cinema de autor, a componente textual dos filmes nomeados tem tendência a ser posta em grande evidência e posição de destaque, sendo que é uma raridade quando uma obra ganha o máximo galardão de Melhor Filme sem ter sequer uma nomeação numa das categorias para Melhor Argumento. Infelizmente, eu não sei se tal se vai confirmar este ano, ou se seremos testemunhas de uma infeliz irregularidade com a vitória de The Revenant, mas isso é uma conversa para outro dia.

Na categoria de Melhor Argumento Adaptado houveram poucas surpresas este ano. A única exclusão de algum destaque foi mesmo o argumento de Steve Jobs escrito por Aaron Sorkin. Existem poucos argumentistas com o estatuto de celebridade e Sorkin é um deles o que, juntamente com a sua vitória nos Globos de Ouro, parecia profetizar uma nomeação aqui, mas parece que os Óscares não se deixaram convencer pela sua brincadeira com estruturas teatrais e mania de fragmentar os seus textos em contínuos seguimentos de grandes e megalómanos discursos.

Outra exclusão de um argumentista bastante famoso foi a de Quentin Tarantino que, inesperadamente, não foi aqui indicado pelo seu controverso mas popular trabalho em Os Oito Odiados. Tarantino ainda há pouco tempo ganhou um Óscar para Melhor Argumento Original e é estranho não o ver nesta lista de nomeados, especialmente se tivermos em consideração quem foi nomeado no seu lugar.

Duas surpreendentes inclusões marcaram a categoria de Argumento Original, onde Straight Outta Comtpon arrecadou a sua única indicação. Já era de esperar que este filme, que foi das obras mais lucrativas nos cinemas americanos em 2015, fosse nomeado para algo mas muitos ficaram surpreendidos quando esse reconhecimento se manifestou numa nomeação pelo seu texto, um dos seus aspetos mais problemáticos e cuja autoria é exclusiva de escritores caucasianos, não ajudando, portanto, quaisquer alegações de diversidade pela Academia.

O outro nomeado surpresa foi Ex Machina, que, ao ser um filme de ficção-cientifica, encontrava.se com uma diabólica desvantagem para obter esta nomeação. Os Óscares parecem ter uma aversão inexplicável ao género e é por isso fantástico ver como os votantes se lembraram do trabalho de Alex Garland, especialmente se considerarmos quão ideologicamente desafiante o seu texto consegue ser com as suas explorações de sexualidade, identidade e autenticidade humana.

Uma pequena vitória na luta pela diversidade de representação nos Óscares manifestou-se, no entanto, nestas mesmas categorias, com vários filmes centrados em volta de personagens femininas a arrecadarem nomeações, o que é, infelizmente, uma raridade, Carol, Room, Brooklyn, Ex Machina e Inside Out. O caso do filme da Pixar é de particular destaque, sendo que toda a premissa narrativa do filme se desenvolve em torno de uma exploração metafórica da psique de uma jovem rapariga em crescimento.

Apesar de tudo isso, tenho de dizer que os prováveis vencedores serão filmes com mínima presença feminina, ou qualquer ilusão de diversidade. Spotlight e The Big Short parecem destinados a ganhar estes galardões, e a não ser que nos esperem grandes surpresas na cerimónia de dia 28, tenho sérias dúvidas que outros filmes consigam reunir votos suficientes para sequer ameaçarem o domínio destas obras.




RANKING DOS NOMEADOS (Argumento Adaptado):



5. Charles Randolph e Adam McKay por The Big Short baseado no livro de Michael Lewis


Da minha crítica de A Queda de Wall Street:

The Big Short apresenta-se como uma exposição da catástrofe que foi o despoletar da crise económica em 2008, oferecendo às suas audiências um lugar de primeira fila para o cataclismo ao acompanhar alguns dos poucos homens que se aperceberam do desastre iminente e conseguiram lucrar a partir do cataclismo financeiro. O filme também se apresenta como uma explicação acessível e divertida, ao estilo de programas como o Daily Show ou o Last Week Tonight, da complicada realidade dos jogos monetários de Wall Street, sendo que, infelizmente, é impossível olhar o produto final sem observar ora uma colossal condescendência dos cineastas para com a sua audiência ora uma estranha e desconfortável atitude de leviano desprezo para com a importância e seriedade das suas informações que tanto tenta transmitir a partir de joviais e desnecessários truques cinematográficos.”

Eu não acho que o humor seja uma forma necessariamente errada para se abordar temas tão sérios como a crise económica que em 2008 arrasou todo o mundo, mas The Big Short não é esse filme. Eu, pessoalmente tenho pouca paciência para os trejeitos e devaneios humorísticos da bro culture da atualidade, o que me diferencia imenso de grande parte da audiência deste filme assim como dos seus autores, e que faz de mim alguém que dificilmente conseguiria aceitar esta abordagem com algo mais que simples desdém. Com tudo isto dito, mesmo ignorando os meus gostos pessoais, o argumento deste filme é um verdadeiro pesadelo de desleixada estruturação dramática, vazias caracterizações, ritmos ineficientes e uma catastrófica dependência de declarativos e constantes momentos de exposição.




4. Emma Donoghue por Room baseado no seu romance


Se há um aspeto da adaptação de literatura para cinema que sempre me irritou, é o uso de voz-off como meio para transmitir monólogos interiores que narram um livro. Sempre me pareceu um mecanismo imensamente simplista e cronicamente anti cinemático. Por vezes resulta brilhantemente, mas essas ocasiões são um elefante branco no panorama do cinema, e, infelizmente, o texto de Room não é essa tão preciosa raridade. Eu percebo o modo como Donoghue recorre à voz interior de Jack para melhor dramatizar a sua viagem emocional, mas isso prende o filme às suas raízes literárias de um modo imensamente distrativo e rouba ao fabuloso protagonista a oportunidade de construir a sua prestação somente a partir das ações da narrativa. O modo como o argumento usa este recurso dramático de modo intermitente e fortemente errático ainda piora a situação, o que, combinado com uma infeliz tendência a cair em desnecessários sentimentalismos, poderia facilmente resultar em desastre. Felizmente, Donoghue tem a inteligência e a ligação ao material que lhe permitem conceber uma delicada teia de complexas caracterizações que tornam Room num arrebatador retrato humano. O modo como Donoghue nunca foge aos aspetos mais abrasivos dos sobreviventes que protagonizam a narrativa é outro grande ponto forte, assim como o é a grande consistência e delicadeza com que a autora concebe a personagem de Jack e sua perceção do mundo ao longo do filme, uma evolução que é tão expressa a um nível emocional como a um nível linguístico.


segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Oscars 2015/16, MELHOR SOM



Primeiro que tudo, penso que é necessário explicar as diferenças entre as duas categorias a honrar o Melhor Som nos Óscares. Sound Editing, que se traduziria a algo como Montagem ou Edição de Som, refere-se à criação de elementos sonoros individuais, efeitos sonoros. Num filme como Star Wars: O Despertar da Força, um dos nomeados deste ano em ambas as categorias, este prémio iria reconhecer a produção dos sons dos sabres de luz, dos mecanismos, dos tiros etc. mas não a conjugação ou manipulação de todos estes elementos na sonoplastia do filme.

A conjugação dos efeitos sonoros, da música, do diálogo, do som ambiente etc. corresponde a Sound Mixing, ou Mistura de Som. Outro aspeto fulcral da mistura de som é a criação do equilíbrio ou desequilíbrio sonoro de um filme, nomeadamente em termos de volume e relevância de certos elementos sonoros na final experiência do filme. Por exemplo, quando Interstellar estreou gerou-se uma pequena controvérsia acerca do seu som, especificamente em volta de algumas sequências em que a banda-sonora estava colocada a volumes tão intensos que se sobrepunha a qualquer outro elemento sonoro, incluindo o diálogo.

Com essa explicação já feita, há que apontar como estas duas categorias, apesar das suas diferenças, raramente apresentam seleções de nomeados muito díspares. Normalmente acontece o que sucedeu este ano e apenas um par de filmes marca a diferença entre as duas coleções de filmes, sendo que este ano essas obras são A Ponte dos Espiões e Sicario.

As restantes escolhas da Academia são um usual reflexo dos gostos que os Óscares têm há muito mostrado nesta categoria, com filmes de ação cheios de tiros e explosões a marcarem uma incontornável presença. Mad Max: Estrada da Fúria e The Revenant serão, possivelmente, os grandes favoritos pela violência sensorial dos seus elementos técnicos assim como pela sua clara popularidade dentro da Academia, pelo menos aquando das nomeações.

É claro que nunca devemos subestimar um filme da saga Star Wars nas categorias de som. Será que O Despertar da Força vai alcançar o sucesso dos seus antecessores que, entre eles, arrecadaram 2 Óscares e um total de 6 nomeações nestas categorias?

Também muito dependente do seu exímio trabalho de som está Perdido em Marte, outro filme de aventura passado num ambiente espacial. Com um número de nomeações surpreendentemente pequeno em relação ao que era esperado, será que o filme de Ridley Scott conseguirá encontrar alguma vitória nestas categorias mais técnicas?

Como ambas as categorias estão tão interligadas e como já faltam poucos dias até aos Óscares e eu queria tentar conseguir examinar todos os nomeados, tirando as curtas-metragens, decidi abordar ambos os galardões e seus nomeados neste artigo.




RANKING DOS NOMEADOS (Sound Editing):



05. The Martian, Oliver Tarney


Para Perdido em Marte funcionar enquanto narrativa de sobrevivência e resiliência humana é necessário que o ambiente hostil de Marte e todo o mundo de mecanismos espaciais seja perfeitamente credível para a audiência. Esse foi o grande desafio da equipa que criou os sons para o mais recente filme de Ridley Scott, e é impossível apontar no seu trabalho qualquer fragilidade. Um trabalho sólido e musculosamente eficiente que, no entanto nunca chama demasiada atenção para si mesmo. Infelizmente, face a recentes filmes passados em ambientes semelhantes e em que o som representa uma porção muito mais vistosa da mise-en-scène, o som de Perdido em Marte consegue ser um pouco prosaico demais. Mesmo assim, há que destacar o modo como os sons do deserto marciano são imensamente convincentes e como o constante som de maquinaria a trabalhar no habitat da NASA confere ao filme um certo perigo e ameaça que de resto está maioritariamente excluído da abordagem estilística da obra, revelando nos efeitos sonoros uma curiosa precariedade mesmo nas mais avançadas construções tecnológicas imagináveis para exploração espacial.




04. The Revenant, Martín Hernández e Lon Bender

(se não querem spoilers, evitem este vídeo)

Da minha crítica de The Revenant:

“(…)é o som que se revela como o mais grandioso elemento, inundando a paisagem sonora com uma colossal densidade de pequenos sons que juntos compõem um retrato de um esmagador mundo natural que tudo envolve, afogando os elementos humanos na sua sonoridade(…)”

O mais recente filme de Alejandro Gonzalez Iñarritu é uma obra completamente obcecada em encontrar e construir um registo de realismo que exceda as normais convenções desse tipo de experiência cinematográfica. Na minha opinião, essa abordagem é maioritariamente um fracasso e incrivelmente reacionária ao trabalho de outros mestres do cinema, mas, tenho de admitir que o filme me arrebatou no que diz respeito ao seu som, com os efeitos sonoros que pintam o mundo natural com uma assustadora visceralidade a serem de particular glória.




03. Star Wars: The Force Awakens, Matthew Wood e David Acord


Sabres de luz, explosões, viagens espaciais, criaturas fantasiosas, batalhas intergalácticas, o deslizar de portas numa nave espacial...! O universo Star Wars sempre esteve recheado de maravilhosos e memoráveis efeitos sonoros e este novo episódio não foge à regra, oferecendo uma variedade de formidáveis sons que tanto tornam credível o ambiente fantasioso em que a narrativa ocorre como são um elemento essencial para alimentar a nostalgia dos fãs dos filmes anteriores. Muitos dos efeitos sonoros são, aliás, reciclados ou recriados dos filmes passados da saga, mas, para mim, isso não lhe retira mérito. Como joia da coroa desta coleção de sons tenho de destacar a maravilhosa forma de comunicação de BB-8, cujos ruídos eletrónicos são um milagre de expressividade a partir de uma linguagem limitada e conseguem emular os semelhantes sons de R2-D2 sem os imitarem por completo, injetando algum necessário rejuvenescimento à paisagem sonora da saga.